quarta-feira, 31 de julho de 2024

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO SUS: DAS GRANDES METRÓPOLES AOS POVOS TRADICIONAIS BRASILEIROS (SBPC AFRO E INDÍGENA)

Como representante da Federação Médica Brasileira-FMB e vice-presidente de um Sindicato Médico, tenho a necessidade de compreender as diversas ramificações do Sistema Único de Saúde-SUS, incluindo a necessidade de infraestrutura adequada e adaptada para populações específicas nas diferentes regiões do Brasil Continental.

O SUS é o principal local de trabalho do Médico Brasileiro e, desta forma, é necessário que este profissional esteja preparado para as demandas e desafios deste sistema. O primeiro obstáculo encontrado é a dificuldade de gerir unidades de saúde pelos gestores municipais devido a diversos fatores como inexperiência e falta de conteúdo técnico inerente à pasta da saúde. Como consequência, é comum a carência de materiais básicos como computador, prontuário eletrônico que interligue os diversos setores da unidade de saúde e da secretaria de saúde, assim como um dimensionamento equivocado do número de profissionais para as unidades de saúde. Outros pontos que dificultam o devido acompanhamento da saúde da população é a dificuldade de realizar exames de diferentes tipos assim como conseguir a medicação básica para o acompanhamento das principais doenças entremeadas na nossa população. O tripé problemático do SUS que será o norteador desta reflexão: gerenciamento-profissionais-infraestrutura.

Nas cidades é mais fácil de observar a dificuldade do acesso à saúde pela população. Mesmo existindo diversas unidades de saúde espalhadas pelos diferentes bairros da cidade, disponibilidade de transporte público e ruas pavimentadas, a população enfrenta falta de vagas para consultas com os profissionais, dificuldade de marcar retorno para as consultas, demora para a realização de exames, falta de estoque programado de medicamentos básicos para os programas e ausência de uma equipe multidisciplinar que garanta autonomia para a população cadastrada em um posto. Este é o retrato constante das unidades de saúde dos diversos municípios do país. O que acontece quando fatores geográficos, culturais, históricos, políticos são colocados neste debate? Precisamos nos aprofundar nestes assuntos para podermos compreender e elaborar estratégias para as populações indígena e negra.

Para atendimento adequado da população negra é importante assimilar algumas realidades. A escolaridade da mãe é o primeiro fator de relevância na mortalidade infantil e o segundo é a raça; 29% da população negra no Brasil nunca foi ao dentista ou não consulta um profissional há mais de três anos; o “exame da orelhinha” ou Triagem Auditiva Neonatal–importante para detectar possíveis problemas de audição nos recém-nascidos, cerca de 24,2% das crianças negras não fizeram o exame em contraponto aos 12% de crianças brancas.

A Hipertensão Arterial Sistêmica-HAS e o Diabete Mellitus-DM representam duas doenças que são grandes causas de morbimortalidade no Brasil, afetando em especial a população negra. A HAS tem relação genética em 30 a 40% dos casos, sendo causa de 12 a 14% de mortes. É mais prevalente em homens e negros.

A DM é mais prevalente em negros, sendo a quarta causa de morte geral e a principal de cegueira. A frequência é de 9% a mais em homens negros e 50% maior em mulheres negras do que brancas.

Um aspecto determinante do acesso à saúde pela população negra é a territorialidade. A dinâmica das cidades favorece a centralização da população branca, enquanto a negra se organiza mais na periferia. A distância geográfica do acesso ao serviço é exacerbada quando se considera que a rotatividade dos profissionais é maior nestas localidades.

A população indígena apresenta uma maior necessidade logística para o acesso da saúde: censo de 2022 demonstra um aumento de 84% desta população (1.652.876 indígenas); grande diversidade, abrangendo 305 grupos étnicos e 274 idiomas; em 2020, 766.519 pessoas indígenas cadastradas nos 51 Distritos Sanitários Especiais Indígenas-DSEI, média de 15 mil pessoas por DSEI; seus hábitos alimentares, dificuldade do acesso à comida levam à insegurança alimentar; questões relacionadas à saúde mental e o uso crescente de medicamentos psicotrópicos, elevado consumo de álcool; taxa de suicídio, 21,8 por 100 mil habitantes em 2014, ser quatro vezes maior que a população brasileira, em geral; a mortalidade infantil é maior que dos outros grupos populacionais.

Como uma amostra da complexidade do atendimento da população indígena é importante entender que o uso de álcool entre os povos indígenas tem diversos efeitos, tanto positivos–como práticas tradicionais ancestrais em contextos rituais, mediação política de conflitos grupais, festividades, atividades laborais–quanto negativos–como processos de desagregação social e familiar e desarticulação das comunidades.

Como a Federação Médica Brasileira-FMB e seus sindicatos médicos de base podem ajudar no enfrentamento destes desafios? 

Adaptar uma equipe multidisciplinar para atender uma população exige várias competências. Não é suficiente apenas construir paredes, arrumar cadeiras em volta de uma mesa de atendimento e disponibilizar uma maca para exame físico. É necessário ouvir e capacitar os profissionais para compreender as diferenças de costumes, comportamentos, crenças e saber conviver e dialogar com as diferenças que afloram no convívio humano. De todas as habilidades importantes para o sucesso do acesso à saúde adequado da nossa população a mais importante é capacidade do gestor de um município, do estado ou mesmo de um secretário de saúde de saber gerenciar uma pasta tão complexa como da saúde de forma racional e responsável, valorizando as necessidades inerentes da população e o respeito ao trabalho dos profissionais da saúde.

A FMB e seus sindicatos de base têm a preocupação constante de ouvir a categoria Médica e pautar os gestores públicos na mediação de problemas que afligem o trabalho Médico e o atendimento de qualidade da nossa população. Na medida que a complexidade do atendimento da saúde aumenta com o crescente interesse para o atendimento dos povos tradicionais, a FMB se mobiliza para acompanhar de perto dos profissionais Médicos nesta jornada contribuindo para o incremento de políticas públicas da saúde e beneficiando o devido acesso à saúde da multifacetada e gigante população brasileira.

obs: Resumo da minha apresentação que faz parte dos Anais da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC em Belém-PA.

terça-feira, 30 de julho de 2024

O SACA-ROLHAS E A GARRAFA DE VINHO

Em uma casa viviam vários seres animados e inanimados. Dentre os objetos que não deveriam expressar sentimentos, existiam alguns que não sabiam pensar, conjecturar e ousar e o faziam mesmo assim. Os diversos instrumentos da casa eram utilizados em diferentes momentos pelos seres animados ou vivos, poderíamos assim dizer, a depender do período em que se encontravam de um ano ou de um singelo dia. Dentre estes se destacavam o saca-rolhas, as garrafas de vinho e um filtro de água.

Indubitavelmente, o saca-rolhas gostava do seu trabalho: após pedir permissão atropeladamente, subitamente, já estava transfixando a rolha e expulsando-a de uma garrafa que escravizava o vinho. O saca-rolhas sentia-se como um libertador, um herói, ainda que não soubesse a definição deste ato.

Certa vez, em um dia mais ensolarado, ao libertar mais um vinho das garras da escravidão de uma rolha opressora, o saca-rolhas procurou conversar com o vinho que se apresentava à sua frente trazendo alegria, ora tristeza para os seres animados que insistiam em ingerir ou escravizá-los em seus corpos.

Saca-rolhas: Olá, depois de tanto tempo libertando seres como você, gostaria, por obséquio, de conhecê-los melhor.

Vinho tinto: Não me importo em descrever-me para ti. Sou um vinho tinto derivado das uvas desta região. Tenho um sabor apurado, mas existem aqueles que rejeitam o meu toque. Posso causar euforia e iniciar grandes paixões, assim como posso ser o prelúdio de uma tragédia. Tenho o poder da sedução e da beleza oculta nas diversas notas que emergem do meu ser.

O saca-rolhas ficou embevecido com tamanhas palavras cheias de vigor e certezas. Seus olhos brilhavam ao se abrir um mundo de possibilidades e encantos com aquelas sentenças que demostravam uma dureza amenizada por um charme adocicado.

Saca-rolhas: Fale mais sobre ti, tens família?

Vinho tinto: Família? Tenho, mas não tenho. Tenho alguns irmãos como o vinho branco, espumante e um bastardo vinho verde. Temos a mesma essência, mas por vários motivos precisamos nos diferenciar para conquistar diferentes paladares. Nasci primeiro e servi de exemplo para os outros. Sou vendido como um presente dos deuses, trago a alegria imediata e a descontração absoluta. Estimulo orgias, brigas e desconstruções. Apesar de todo o peso das consequências dos meus atos, existem milhões que ainda me defendem. Se braço tivesse, arrancaria as penas de uma galinha e ela ainda viria comer o milho nas minhas mãos. Se arma pudesse carregar, mataria aqueles que pensam contra mim. Seria o defensor da liberdade de todos e prenderia quem fosse contra. Ajudo a destruir os conceitos que orientam o mundo a nossa volta. A família, a nação, propriedade privada, a fé em um Deus são conceitos que atrapalham a minha marcha para uma transformação da sociedade. Somente consigo enganar os fracos de espírito, jovens que ainda não tiveram a oportunidade de viver uma vida de desafios e conquistas por mérito. Consigo ludibriar as pessoas de que o mais importante é o agora e que, portanto, não vale a pena construir. Construir é cansativo, mais gostoso é destruir. A adrenalina das pessoas fica à flor da pele quando sorvem o meu néctar. Inquestionavelmente, sou viciante. Como vício, tem as consequências, mas não precisamos falar sobre isto porque o que importa é o agora. Começo a ser apresentado nas escolas e tenho meu apogeu nas faculdades. Cada vez mais que as famílias não conseguem estar ao lado dos seus filhos, mas entro nas realidades dos jovens o que me ajuda a perpetuar a minha existência.

O saca-rolhas continuava perplexo com tanta agitação e beleza. Por ficar a maior parte do tempo dentro de uma gaveta, não conseguia imaginar tantas cores e convulsões possíveis em um discurso tão magnânimo. Era um momento deveras alegre.

Neste momento, a garrafa foi levada para o outro compartimento da casa. O saca-rolhas não veria mais o seu furtivo amigo para continuar a sua conversa. Gostou desta nova possibilidade de poder dialogar e ouvir as experiências e a magia entremeada nas incontáveis frases ditas ao vento. Cada vez mais, se empolgava para retirar as rolhas que prendiam estes seres tão maravilhosos para aprender mais.

Até que um dia, o saca-rolhas percebeu que há semanas não saía da gaveta. Algumas vezes, observava que algum outro utensílio era retirado próximo a ele. Nunca mais teve o prazer de perfurar uma rolha e tagarelar com aqueles líquidos tão maravilhosos. De repente, ele foi retirado e jogado em uma pia que ficava no meio da cozinha da casa. Em sua volta, algumas colheres e facas que não sabiam o que tinha acontecido. Este cenário ficou estável por dias até que o saca-rolhas sentindo-se entediado, busca iniciar um bate papo com as coisas que estavam quietas e imóveis. Ninguém responde.

Após uma semana, começa crescer uma sensação ruim a tal ponto que começaram a escorrer umas gotas que pareciam água da ponta do seu cabo. Ao ouvir o choro do saca-rolhas, o filtro de água que não conseguia mais ficar calado pergunta:

Filtro de água: O que aconteceu?

O saca-rolhas ouviu a indagação, mas ainda estava triste demais para responder, então o filtro de água retrucou:

Filtro de água: Percebi que você está chorando. Entendo que se você não quiser conversar, posso deixar você em paz. De qualquer modo, estarei aqui se você desejar contar um pouco o que está acontecendo.

Passaram dias, semanas e, finalmente, o saca-rolhas não aguentando, arremessou uma palavra quase inaudível:

Saca-rolhas: ...Oi!

O filtro de água, percebendo a timidez do saca-rolhas, responde em um tom ameno.

Filtro de água: Olá! Como tu estás? Ficou calada tanto tempo, imaginei que tu estavas mergulhada nos teus pensamentos e, por isto, não quis incomodar.

Saca-rolhas: Você fala palavras tão bonitas também.

Filtro de água: Eu? Obrigado! E quem falava palavras bonitas também?

Saca-rolhas: O vinho, principalmente, o tinto.

Filtro de água: Ah, o vinho...

Neste momento, o saca-rolhas percebe uma mudança da voz do filtro de água e pergunta:

Filtro de água: Você também conhece o vinho?

Filtro de água: Bem, nunca entrou vinho dentro de mim, apenas água, mas conheço longas histórias do vinho.

O saca-rolhas neste momento, literalmente, pula de alegria caindo próximo ao filtro.

Saca-rolhas: Conte-me das estórias do vinho. Gostava muito de ouvir. Se pudesse, teria vivido todas as aventuras e glórias que ele me descrevia: revoluções, pessoas felizes, igualdade o quer que isto seja.

Filtro de água: Como te disse, somente água entrou em mim. Do vinho, bem...do vinho conheço como começa cada história com alegria, sensação de renovação, muita paixão, mas o fim sempre é trágico.

Saca-rolhas: O que é trágico?

Filtro de água: Trágico é quando acontece algo ruim.

Saca-rolhas: É ficar triste depois de estar feliz?

Filtro de água: Isso mesmo.

Saca-rolhas: Fiquei muito triste depois que deixei de tirar rolhas e salvar o vinho que ficava preso na garrafa. Sempre o vinho conversava comigo, contando maravilhas que aconteciam quando bebiam dele.

Filtro de água: Pois é, difícil de falar sobre isto para você.

Saca-rolhas: Por quê?

Filtro de água: Como você tem boas lembranças dele, não imagina quanta dor ele pode trazer. Você teria que estar preparado para escutar o lado trágico do vinho e tirar suas decisões depois. Não quero estragar os teus sonhos.

Saca-rolhas: Conte-me tudo, não sabia que poderiam existir este lado trágico do vinho.

Filtro de água: No começo, o vinho é bom, agradável. Ao passar do tempo, ele exige mais tempo e consome a pessoa. O indivíduo não consegue trabalhar, precisa viver de favor das outras pessoas consumindo seu tempo. O vinho ensina que as pessoas que têm dinheiro e posses são más e que deveriam doar tudo para os que não trabalham. O vinho estimula o roubo para que as pessoas possam ter como comprar mais vinho. O vinho destrói a pessoa e toda a comunidade onde ele entra.

Saca-rolhas: Que triste!

Filtro de água: Existe alguém que ajuda a combater a maldade do vinho, principalmente o tinto, que é a água. Esta mesma que ficava em mim e que ajudava a saciar a sede das pessoas sem exigir ou causar dor nelas. As pessoas que ingerem do vinho, sempre tem que recorrer à água para curar das feridas causadas pelo consumo. Infelizmente, a maioria das pessoas voltam a consumir o vinho de tempos em tempos esquecendo todo o mal que este pensamento causou na humanidade ao longo da história. Aliás, foi por causa do vinho que o dono desta casa perdeu tudo, restando somente nós nesta casa abandonada sem perspectivas do futuro.

O saca-rolhas ficava olhando o filtro falar, mas com um olhar vago sem entender o que o filtro estava querendo dizer. Quando percebia que o filtro estava um pouco mais sério, pensava que seria melhor não ter tirado as rolhas da garrafa para livrar aquele ser tão trágico, mas bastava passar alguns dias e o saca-rolhas já ficava imaginando aparecer uma nova garrafa de vinho para que ele tirasse a rolha e continuasse o seu devaneio.

25.06.24

 

Transpoema - A menina (trans)formada

Mari transpira transformação.

Qualquer transeunte que transpasse o seu caminho transubstancializa-se

Permite-se transmitir a transvanguarda e questionar a transculturação.

 

A transparência da sua transitoriedade

Transverbera o trans ordinário

Transfigura os conceitos e preconceitos de verdade

Se engaja com o transumano incendiário.

 

Transfixa a parede transportada da mediocridade

Transtroca a mente perversa que transcura[AB1]  em um mar transitável de esperança

É um verbo intransitivo de uma transa sem maldade.

 

Não é sobre o prefixo “trans”, é mais para um transe suave

É a respeito e muito respeito de quem transcreve sobre a transcendência

Sobre Mari que voa no transcurso da humanidade como uma ave

É a paz de uma transfusão de amor para uma enrijecida essência.

 

24.06.24

Obs: enviado dia 30.06 para a Antologia da Sobrames-CE.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O Pior e o Melhor de Mim

     É muito difícil conviver com as pessoas que são diferentes de nós. Deveras complicado. Não somente estranho em relação aos pensamentos, ideias ou costumes, mas também, em relação ao nosso corpo. Parece que as pessoas que são mais altas, são mais bonitas, ou que têm olhos azuis e verdes são mais elegantes. Em algumas culturas, ser negro é mais bonito, em outras, ser branco ou amarelo. Complicado é quando uma pessoa apresenta alguma deficiência propriamente dita: quem usa cadeira de rodas, deficiência visual ou mesmo auditiva. Tenho a sensação de que é difícil encaixar em nosso mundo, as pessoas que têm estas diferentes nuances. Pior para mim que tenho algo a mais que ninguém tem. Alguns podem definir como maldição e outros, como uma bênção.

Talvez, estes questionamentos sejam o próprio problema: fico achando que as outras pessoas irão definir o que é o mais bonito ou o feio e eu serei avaliado desta forma. Provavelmente, estes mesmos cidadãos nem estejam me notando, estão seguindo as suas vidas com os seus desafios e somente isto. Elas devem ter os mesmos sentimentos angustiantes e banais que estou me referindo e cada um dará o devido grau de importância a estas questões.

Início

As minhas primeiras lembranças são vagas em relação a minha força elevada que causava diversos acidentes. Era muito comum alguém dizer que eu era forte, mas, de alguma forma, consegui, inconscientemente, não causar grandes danos, machucar ou mesmo matar uma pessoa. Como meus pais chamavam muito a minha atenção para que eu tivesse cuidado e não quebrasse as coisas, fui aprendendo a me controlar. Só para constar: não sou alienígena e nem fui exposto a alguma substância química ou radioativa que transformou o meu corpo a ponto de ter a força equivalente a cem homens. Nasci desta forma e esta é a minha história.

Muitas vezes, evitava brincar com as outras crianças, justamente para evitar acidentes, que diga-se de passagem, eram muito comuns. Já amassei a lataria de inúmeros carros quando jogava bola perto destes veículos. Sempre tinha que correr, porque sabia que eu era o culpado. Era considerado muito desastrado. Até hoje, este excesso do medo de quebrar as coisas, me incomoda, me limita nas minhas ações. Os pais dos meus amigos, na maioria das vezes, advertiam seus filhos para evitarem brincar comigo, porque eu era estabanado e poderia machucá-los. Eles não escondiam os seus descontentamentos na minha presença: eles desejavam que eu ouvisse, provavelmente, para que eu me afastasse dos seus rebentos e não causasse danos.

Meus pais, também, tinham este cuidado com as minhas irmãs e os objetos da casa. As minhas brincadeiras não eram adequadas para quaisquer pessoas, mesmos adultos, imagine para crianças mais novas do que eu, no caso, das minhas irmãs. Elas dormiam em um quarto separado do meu para evitar acidentes devido às brincadeiras ou brigas comuns entre irmãos. Certa vez, empurrei a minha irmã, que estava na borda da piscina, visando apenas dar um susto nela, mas não saiu como o planejado. A intenção era que ela caísse perto da borda da piscina, próximo da escada e, desta forma, ela poderia voltar para a beira da piscina de novo. Em vez disso, a força empregada foi tamanha que ela caiu na parte profunda da piscina. Ela não gritava, pois já estava se afogando. Quem gritou por ajuda fui eu que percebi logo a bobagem que fizera. Eu sabia nadar, mas fiquei paralisado sem saber o que fazer. Ainda tenho este receio de entrar em água, se for para ajudar alguém que está se afogando. Talvez tenha sido deste evento que ocorreu com a minha irmã no Clube Náutico que fica na Avenida Beira-Mar de Fortaleza, local que a gente frequentava quando a nossa tia conseguia uma cortesia para levar seus sobrinhos para passear aos finais de semana.

 Em outra oportunidade, a brincadeira, se podemos definir desta forma, era jogar sandálias um no outro e o objetivo era se esquivar como acontecia nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, quando a Mônica arremessava o seu coelhinho de pelúcia e o Cebolinha tentava desviar, ou nos desenhos animados que passavam nos programas de TV quando eram comuns jogar objetos uns nos outros, como nas brigas de gatos e ratos, Pica Pau contra o Leão Marinho. Quando a minha irmã atirou a sandália na vez dela, consegui desviar com certa facilidade, talvez ela tenha conseguido me acertar em algumas outras oportunidades. Você já pode imaginar o que aconteceu quando foi a minha vez. Ainda bem que o primeiro arremesso errei, mas iria bater na cabeça dela. A sandália quebrou-se contra a parede devido a intensidade da energia aplicada. Por causa da ingenuidade, continuamos brincando e quando joguei pela segunda vez, a sandália do outro pé, acertou na perna dela. Imediatamente, ela soltou um grito pavoroso de dor. Esta outra sandália começou a ser destruída já na perna da minha irmã e terminou seu desmonte ao colidir contra a parede. Por sorte, o projétil passou lateralizando da perna esquerda dela, abaixo do joelho. Não sei como, mas ela não quebrou nenhum osso. Em vez disso, arrancou parte da pele da perna e teve que ser levada ao pronto-socorro. Precisou ficar usando curativo por um bom tempo e tomar antibióticos que ela detestava e, na maioria das vezes, vomitava por não gostar do sabor.

Cada vez mais, meus pais ficavam preocupados, porque à medida que a minha força aumentava, os acidentes ficavam mais graves. Estava jogando bola em um calçamento no bairro Beira Rio, local que havíamos mudado recentemente, depois que os meus pais terem vivido seus primeiros anos de casados no bairro São João do Tauape próximo ao Lagamar. Em um determinado momento do jogo, chutei o chão, em vez da bola, até porque, futebol nunca foi o meu forte, despedaçando uma pedra de calçamento um pouco mais saliente, arremessando com uma enorme força e velocidade um pedaço de pedra que se tivesse pegado em alguém, com certeza, teria transfixado. O fragmento de pedra atingiu uma caixa transformadora em um poste ocasionando um grande barulho e foi este motivo que muitos não conseguiram associar o acidente ao meu chute. Desta vez, comecei a ficar mais preocupado e já entendia que seria mais sensato me afastar das pessoas para evitar maiores transtornos.

Adultez

Seria esperado que eu me tornasse um super-herói ou mesmo que tivesse utilizado este dom, ou poder em benefício próprio. Em vez disso, escondi por este tempo. Não consigo compreender ter algo que é diferente totalmente da humanidade lá fora. Sem lógica para mim. Como irei explicar? Com quem poderei debater sobre o meu dia a dia? Ninguém pode entender. Irei me transformar em um deus para a maioria deles e isto não desejo. Não me sinto à vontade de ser superior somente devido a um dom.

Sei que muitas pessoas são idolatradas devido algumas características, mas o meu caso é diferente. Algumas pessoas são aclamadas, porque são cantoras, mas, na maioria das vezes, se não emplacarem sucessos seguidos, caem no esquecimento. Outros, são grandemente ovacionados, porque são grandes jogadores de algum esporte, mas em breves anos se aposentam sendo esquecidos gradativamente. Por outro lado, eu sempre serei poderoso.

Prefiro a paz da minha consciência. Não quero parecer soberbo, acima de ninguém. Acredito que este excesso de força foi indevidamente colocado sob a minha responsabilidade ou, quiçá, fui deliberadamente sorteado para guardar este precioso dom. Talvez Deus ou qualquer outra força superior, soubessem qual seria o meu comportamento e quisessem esconder este poder da mão de qualquer outra pessoa na Terra.

Sempre estou avaliando os meus comportamentos ou pensamentos. Posso estar equivocado em tudo o que penso. Porventura, posso decidir usar esta minha força para salvar alguém, e pronto, ou fazer shows demonstrando feitos nunca realizados pelo homem, como a capacidade de levantar um caminhão acima da cabeça, usando apenas a força de um ser humano. Não sei o que pode acontecer daqui para frente que mude os meus ideais. Acredito que a humildade possa ser uma característica minha que pode estar inibindo de usufruir deste talento. A minha prudência pode estar se questionando se este excesso de força é algo positivo ou negativo para a minha vida. É melhor evitar ter filhos que possam herdar esta mutação, pois não desejo que ninguém sofra. Não sei precisar como será a minha atitude no futuro como já mencionara, mas a decisão de saber se agi corretamente ou não, dependerá de quando for avaliado ou por quem.

Algumas perguntas ficam sem respostas mesmo. Até agora, o ser humano concluiu ser importante formular perguntar e tentar responder. Pois é, tentar responder e, algumas vezes, a resposta que serviu perfeitamente, inicialmente, encontra-se equivocada nas diversas esquinas do tempo. No meio do relativismo, ainda podemos nos questionar se sabemos perguntar. Este é um dos questionamentos mais intrigantes da raça humana vigente. Talvez se a gente conseguir ultrapassar algumas destas respostas, poderemos nos sobrelevar como espécie animal, supra sapiens, com o desenvolvimento de características sobre-humanas, impensáveis até este momento. Presentemente, o meu dom poderia, talvez, ser útil e, por enquanto, fico apenas como um rei deposto que tem um olho em uma terra de cegos.

 

24.01.2024

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A importância da FMB e seus sindicatos de base para a Medicina Brasileira

Existem algumas informações que os médicos deveriam saber para o seu dia a dia. Nesta participação no site da Associação dos Médicos pelo Brasil-AMPB terei em vista trazer alguns dados e opiniões para a classe Médica e estudantes de Medicina que possam ser úteis na sua caminhada ao longo da sua vida. Sempre estarei atento para tirar dúvidas, abordar temas que estejam mais quentes no momento e esclarecer mitos e verdades que nos rodeiam e, algumas vezes, nos amedrontam. O intuito será sempre de ser uma leitura leve e útil. 

Nesta primeira oportunidade, gostaria de abordar um assunto muito importante que é quando, porque e como acionar um sindicato Médico nos seus respectivos estados. 

Quando? O principal motivo é quando um Médico ou Médica tem quaisquer dos seus direitos trabalhistas comprometidos: atrasos dos seus salários e das contrapartidas dos municípios para os integrantes do Programa Médicos pelo Brasil, desrespeito ao cumprimento dos horários de alimentação e repouso obrigatório, qualquer exemplo de assédio, incluindo, para os profissionais atenderemum número de pacientes por hora incompatível com o trabalho digno da Medicina, qualquer tipo de violência sofrida dentro e nos arredores da sua unidade de saúde, etc. Vale destacar que alguns sindicatos, como o Sindicato dos Médicos do Ceará, disponibiliza um amplo corpo jurídico que defende com maestria estas violações dos direitos trabalhistas assim como extrapola o seu campo de atuação oferecendo até o direito do consumidor para situações mais corriqueiras da vida do profissional Médico fora da esfera trabalhista, isto é, o colega Médico tiver a sua mala desviada de uma viagem, se a Médica se sentir prejudicada porque a companhia aérea mudou o valor da passagem ou mesmo se comprar algum produto que não correspondeu aos anseios do Médico ou da Médica e desejarem devolver ou trocar a loja não aceitar. 

Por quê? Os sindicatos têm toda uma perícia para tratar das questões da categoria Médica, tanto por possuírem profissionais qualificados nas questões Médicas como pela diretoria toda formada, exclusivamente, de Médicos que entendem os anseios e dificuldades da Medicina regional e nacional, se esforçando, diuturnamente, para trazer respostas satisfatórias para a categoria. Além disso, é muito mais barato: se a Médica paga uma mensalidade mensal ou a anuidade do sindicato mantendo-se adimplente, ela irá poder acessar qualquer serviço da entidade sem ter que pagar um adicional, p.ex., se esta profissional trabalhar em três lugares diferentes e se for necessário acionar a justiça por quaisquer motivos para cada uma destes lugares como atraso salarial, ela precisará pagar um advogado para cada vez que este for acionado, neste caso, ela precisaria pagar como entrada do processo em torno de R$ 3mil até R$10mil para cada ação. No sindicato, como ela paga somente uma anuidade ou uma mensalidade pequena, ela pode demandar o jurídico sem ter custos a mais para cada processo. Indiscutivelmente, é sempre mais barato, eficiente e personalizado. Sem esquecer que a maioria das entidades possui um clube de vantagens com descontos em planos de saúde, escola, restaurante e lojas bem interessantes. É só colocar no papel: se for considerar toda a economia que o Médico tem ao utilizar o sindicato, tirando o valor da mensalidade ou anuidade, ele sai ganhando muito mais. Simples assim. 

Como? Existem diversas formas de acionar o seu sindicato do seu estado. Pode ser por telefone, site da entidade, emailTelegram e até mesmo o Instagram ou Facebook (no futuro aparecerão diversas outras formas), e o meu preferido, atualmente, o WhatsApp porque a rapidez e simplicidade do envio desburocratiza a troca de informações. 

E para finalizar: a Federação Médica BrasileiraFMB representa todos os seus sindicatos de base federalmente. A maioria das pautas do Programa Médicos pelo Brasil precisam ser questionados e resolvidos ao nível do Ministério da Saúde (MS) e Agência Brasileira de Apoio à gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS). Para conseguir apoio a estas pautas da Medicina Brasileira é necessário conversar e se aproximar dos deputados, senadores, frente parlamentar da medicina (FPMED), ministros e até com o presidente ou vice-presidente da república. São competências diferentes, mas com o mesmo intuito: a proteção da Dignidade Médica em todas as suas esferas.

 

Edmar Fernandes

Diretor financeiro e de patrimônio do Sindicato dos Médicos do Ceará 

Secretário de comunicação da Federação Médica Brasileira — FMB

E-mail — edmardermato@gmail.com

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Sobre o bem e o mal

Herlen é um bem-humorado curitibano que mora no estado do Acre desde a sua infância. Tem lembranças amargas do colégio, pois sempre estava acima do peso e os seus colegas o nomeavam com diversos apelidos infames para uma criança suportar como elefante ou rolha de poço. Estudioso, colecionava medalhas de ouro devido excelentes notas e boletins que enchiam de orgulho seus pais. Filho único, sempre desejou ter vários irmãos e, se possível, um gêmeo. Não teve dificuldades para passar no vestibular para Engenharia Elétrica, ficou em terceiro lugar. Os dois primeiros lugares eram gênios também, Alex e Pedro. Fez logo amizade com ambos e se tornaram irmãos de verdade. Relacionamento profícuo que alimentava os saberes da nova profissão vindoura. Costumeiramente, se reuniam para conversar sobre os mais diversos assuntos afetivos e segredos, algumas vezes, perturbadores.

Raquel morava em Lima, capital do Peru desde seu nascimento, pois sua mãe sofreu um acidente aéreo, quando o avião estava pousando no aeroporto da cidade matando toda a tripulação e alguns passageiros. Estava grávida de sete meses e acompanhava o marido em uma de suas inúmeras viagens para esta capital proveniente de Salvador, sua terra natal. Apresentava uma gestação de alto risco que o seu obstetra orientou, por diversas vezes, a evitar esforços desnecessários, incluindo, viagens aéreas. Em alguns momentos, Raquel perguntava-se por que sua mãe insistia em viajar mesmo com as advertências médicas. Quem contava estes detalhes para ela era a sua tia Núbia que tentava preservá-la de outros acontecimentos do passado, relacionado aos seus pais, que poderiam abalar o mundo de Raquel como a existência de uma amante em Lima que era o motivo das diversas idas do seu pai para a capital peruana. Sua mãe, tentando preservar o casamento, insistia em estar ao lado, continuamente, do seu pai, na tentativa de frustrar o encontro dos enamorados mesmo colocando em risco a gravidez como da sua própria vida.

Alex, que se tornou amigo de Pedro e Herlen na faculdade de Engenharia Elétrica, era um jovem que enfrentava a depressão há dois anos antes do vestibular. Supõe-se que o estresse da cobrança dos seus pais para passar na prova foi um desencadeador do processo. Sua família já sofria com esta doença devido o seu pai, alcoólatra, que desenvolveu depressão grave a ponto de ser internado por meses em clínicas psiquiátricas. Certa vez, ainda adolescente, ouviu alguns especialistas em um simpósio sobre saúde mental que achavam absurdo uma pessoa ser internada nestas clínicas psiquiátricas ou hospitais. Referiam que a família deveria permanecer com o doente, pois é importante a socialização e o contato constante com a família mesmo em uma fase psicótica quando o paciente perde a consciência dos seus atos e agride pessoas, quebra objetos de forma a pôr em risco sua vida e de outras pessoas. Alex ficou estupefato com o escárnio que aquelas pessoas proferiam. Elas não sabem como é difícil uma família ver um ente querido se tornar um sujeito agressivo, inconsequente dos seus atos em casa em meio a um pânico avassalador. É necessário potentes medicações injetáveis e vários dias de internamento para existir a possibilidade de volta ao convívio social e familiar. Alex e sua família já eram testemunhas de um sistema de saúde que não prioriza seus pacientes psiquiátricos sem local para internar adequadamente quando necessário. Ouvira falar sobre uma luta antimanicomial que foi a causa da diminuição dos leitos para os pacientes psicóticos agudos. Não entendia como alguma pessoa em sã consciência poderia ser contra as vagas em hospitais psiquiátricos para estas pessoas que estão sofrendo, gritando, correndo pelas ruas nus, sem pudor, capazes de matar e de tentar o suicídio.

Pedro nunca pensou em se casar. Com vinte e dois anos de idade, era decidido a manter um namoro para sempre com Rebeca. Ela sugerira o casamento por diversas vezes, mas ele foi decisivo em procrastinar este noivado. Algumas pessoas achavam muito estranho este relacionamento, pois ela, habitualmente, aparecia com o olho roxo, chorando pelos cantos e evitando se expor publicamente para que não notassem as feridas físicas e espirituais decorrentes das brigas com Pedro. Certa vez, após uma discussão barulhenta, ela decidiu acabar com o seu enlace com Pedro. Foi uma tragédia na vida destas duas pessoas. Ela contou para seus pais e todos os seus amigos o que acontecia no namoro. Ele a espancava por qualquer motivo. Foi o primeiro namorado dela e não conseguia se afastar muito tempo dele já que o amava demais. Escondia este sofrimento de todos para que ninguém se intrometesse no seu relacionamento causando mais dor e angústia. Por sete anos ela suportou este martírio, desde os dezesseis anos de idade.

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Herlen se transformou em um dos mais brilhantes alunos que a faculdade já teve. Antes de concluir o curso, já fora convidado a ser um dos professores da universidade. Como era necessário ter um doutorado que servia de pré-requisito para lecionar, foi permitido preparar sua tese em paralelo com o trabalho como um virtuoso mestre. Assíduo em seus compromissos era motivo de orgulho do corpo docente desta entidade. Era, frequentemente, convidado para ser o paraninfo das turmas de formando que se despediam todos os anos. Seu relacionamento com Pedro e Alex também sofreu mudanças. Alex que no início era um brilhante aluno piorou seu rendimento a ponto de ter que repetir uma cadeira. Algumas vezes, Herlen procurava chamar Alex para ir a algum bar para tomar uma cerveja, mas não sabia como, Alex odiava bebida alcoólica por causa do seu pai e isto afastava o convívio de ambos. Pedro sempre acompanhava Herlen. Os dois se preocupavam com Alex que era motivo de longas conversas.

Raquel começou a praticar pequenos furtos para sair com as suas amigas. Sabia que a sua tia não tinha dinheiro para comprar roupas, sapatos, joias e ingressos para shows ou entrada para boates. Precisava estar sempre bem vestida e pronta para viajar ou estourar o cartão de crédito em qualquer visita a um shopping. Os primeiros furtos foram dentro da sua própria casa e sua tia percebeu. Aconselhou Raquel a não seguir este comportamento cleptomaníaco. Em certo momento, ela foi expulsa de casa. O mundo, então, a abusou e ela se entregou por completo. Se transformou em uma vendedora de drogas e se enveredou na prostituição. Durante o dia, dormia. Usava crack no desjejum após as três horas da tarde. Mandou matar e matou muitos que ousaram não pagar pelas drogas. Espancou muitas jovens que tentavam sair da prostituição. Organizou e conseguiu dinheiro para assaltos a carros-fortes e, posteriormente, a caixas eletrônicos com dinamites furtadas de uma mineradora. Não conseguia frear seus impulsos, seus pensamentos sobre si mesma, eram confusos. A única certeza que ela acreditava era que, somente, conseguiria parar com este comportamento ensandecido se algo disruptivo acontecesse. Um tiro no abdome e outro na coluna conseguiram este intento.

Alex começou a participar de mutirões para arrecadar fundos, roupas, mantimentos para a construção e manutenção de algumas clínicas de reabilitação para drogados. Sentia a necessidade de ajudar estas pessoas carentes de afetividade e, a maioria, de recursos financeiros já que não conseguiam trabalhar. Se identificava consigo. A face triste, sem o brilho nos olhos eram muito familiares e, de certa forma, traziam conforto. Não que fosse sadista, mas não era incomum os diversos relatos estapafúrdios sobre vidas de famílias destruídas pelas drogas ou doenças psíquicas. Foi se tornando um nome reconhecido pelo seu altruísmo e dedicação. Muitos vinham buscar ajuda, comida, dinheiro, uma amizade ou conselho. Sentia que poderia ajudar mais se fosse vereador de sua cidade. Desta forma, seria mais fácil conseguir recursos para estas clínicas psiquiátricas e ajudar a aperfeiçoar o modelo de saúde mental desta cidade. Participou de um sufrágio que ficou como suplente. Aprendeu como é difícil conseguir votos de forma honesta, pelo voto ideológico. Decepcionou-se com diversas pessoas que tinha ajudado e que se prontificaram em apoiá-lo na campanha, mas que trabalharam e votaram em outro candidato por um milheiro de tijolo ou por uma nota de cinquenta reais. Algumas agradáveis surpresas como pessoas que o ajudaram e trabalharam, voluntariamente, mesmo sem nunca ter feito nada por estas pessoas, simplesmente, por que acreditava nas propostas dele. Depois de um tempo afastado dos seus amigos dos tempos da faculdade, marcou um encontro em sua casa com ambos e voltaram a repetir os encontros semanalmente.

Pedro inconformado com o fim do seu relacionamento com Rebeca havia cinco anos, não parava de tramar uma vingança contra a sua ex. A morte era um fim na maioria dos seus planos. Começou a investigar todos os lugares frequentados por ela. Sabia a hora de chegada e saída do trabalho e todo o trajeto percorrido de sua casa até a academia. Como não tinha tempo para ficar monitorando, contratou um detetive para poder fazer este serviço, queria informes diários. Até que um dia, mesmo temeroso, o detetive descreve uma saída de Rebeca com um outro homem para um jantar em um restaurante e, depois, ela o convida para passar a noite no seu apartamento. Por breves segundos, Pedro fica sem palavras, ausência de mente e espírito. Pega uma arma que ficava guardada em uma caixa de sapato debaixo da cama e sai decidido a pôr um fim a este relacionamento. Matará a Rebeca e este safado que ousou tocar nela. Sai disparado em sua moto pelas ruas da cidade, cortando carros, ultrapassando sinais vermelhos. Não ouviu quando um policial pediu para parar em uma blitz. Iniciou-se uma perseguição sem que ele notasse, seu objetivo estava a poucas quadras dali. Quando, de repente, cai da moto. Passou um tempo desacordado e, lentamente, procurava entender o acontecido. Olha em volta e observa os transeuntes e curiosos tentando ajudá-lo. Uma ambulância do SAMU chega e uma das enfermeiras se aproxima para saber como ele está e prepara a sua remoção. Ela explica que um cachorro passou na rua correndo e foi atropelado pela moto dele. Pedro pede para ver o cachorro. Ele está agonizando no meio da rua sem ninguém para socorrer. A enfermeira e o médico insistem para que ele permaneça deitado para poder providenciar a remoção para um hospital de trauma mais próximo. Não está sentindo a clavícula esquerda quebrada e diversos arranhões nas costas e nos seus membros. Almeja salvar a vida daquele cachorro. Ele é tomado por uma compaixão nunca antes sentida. A polícia também quer prendê-lo. Herlen, ao saber do ocorrido, chega ao local do acidente para saber como está seu amigo. Pedro fica muito feliz quando reconhece o seu amigo e explica que ele precisa salvar aquele cachorro. Precisava levá-lo para um hospital veterinário imediatamente. Se houver despesas, ele arcará com tudo e assim fez Herlen.

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Herlen está aguardando o diagnóstico do veterinário para aquele cachorro que o seu amigo Pedro confiou. Está apreensivo, amava os animais. Sai um pouco para deambular na calçada do Hospital para relaxar. Um menino de, aproximadamente dez anos, pede esmola para ele. Subitamente, Herlen é tomado por uma estimulante sensação estranha ao ver aquela criança. Olha em volta para saber se alguém está observando. Pergunta o nome do garoto, se está acompanhado de alguém. Oferece para o infante dinheiro e almoço na condição de acompanhá-lo para o seu apartamento. Uma longa conversa se inicia com risadas e suaves toques no rosto do infante que responde com receio, cabeça baixa. Herlen deixa-o aguardando em uma lanchonete próxima comendo um sanduíche e um refrigerante enquanto volta para averiguar a situação do cachorro. O veterinário afirma que irá sobreviver. Precisou de uma cirurgia para conter um sangramento abdominal devido contusão grave do fígado. Herlen deixa tudo pago e avisa para Pedro das condições do seu cachorro e tudo que está sendo feito para salvá-lo. Na verdade, Herlen está ansioso para levar aquele moleque para seu apartamento e gozar até não poder mais consigo como há anos ele vinha fazendo com outras meninas e meninos que passavam por suas mãos.

Raquel estava internada em um hospital público há duas semanas. Não conseguia parar de chorar. A dor que sentia era imensa. Não movimentava as suas pernas. Os médicos explicaram que a sua coluna foi afetada por um dos projéteis. Sentia falta das drogas que consumia regularmente e, em alguns momentos, teve convulsões e delírios por causa da abstinência. Períodos de desespero e angústia. Suas lembranças e pensamentos estavam desconexos. Uma profunda tristeza invadia seu espírito. Era incapaz de imaginar uma solução para o seu presente. Passava o dia todo calada, sem conversar com ninguém. Algumas respostas monossilábicas para o médico que a visitava diariamente. Certa vez, ao observar um semblante ameno e feliz de uma senhora que estava limpando o seu quarto despertou sua atenção. Algumas vezes, era capaz de ouvir o canto sutil que saía dos lábios da funcionária encarregada da limpeza do andar do hospital. A presença desta pessoa trazia paz de certa forma, não sabia explicar. Insinuou umas palavras para chamar a atenção daquela mulher que se apresentava com uma paz inesperada para aquele coração aflito. Iniciou-se uma amizade que permaneceu após a alta da Raquel do hospital. A funcionária, nos dias de folga, acompanhava Raquel na fisioterapia, retornos para consulta com os médicos e, parcimoniosamente, Raquel foi compreendendo a necessidade da presença de Deus na vida dela estimulada pela sua nova colega. Começou a frequentar a igreja da sua amiga e participar de cursos bíblicos. Ajudar os mais necessitados virou sua missão de vida e, como apresentava uma oratória que contagiava as outras pessoas, logo foi iniciado o processo para prepará-la para ser pastora. Sempre testemunhava sobre a sua vida. Tudo o que passou até estar ali, em cima do púlpito, em uma cadeira de rodas servindo a Deus era, minuciosamente, relatado para todos que estivessem preparados para ouvir.

Alex estabeleceu uma meta para a próxima campanha eleitoral, juntar dinheiro suficiente para a compra de votos e propaganda para conseguir aumentar suas chances para vereador. Aumentou seu trabalho junto com as comunidades mais carentes procurando ajudá-las e guiá-las nas suas demandas e denúncias para melhorias das suas condições de vida. Havia muitas pessoas que o apoiavam. Seus aliados aceitavam a necessidade da compra de voto de outras pessoas para conseguir o objetivo que seria bom para todos os cidadãos daquela cidade. A corrupção naquele momento seria com um objetivo justificado para ajudar outras pessoas. Sua consciência ardia em chamas ao pensar neste ato inescrupuloso em conseguir seu intento, mas a necessidade de ajudar os cidadãos suplantava o malefício da desonestidade, pensava.

Pedro adotou aquele cachorro nomeado puffy e passou a dedicar sua vida à proteção dos animais. O que aconteceu com o puffy era uma realidade nas estradas e ruas das cidades com seus animais abandonados. Criou uma ONG para a defesa da fauna e pagava uma mensalidade mensal para o Greenpeace. Pensou em fazer Medicina Veterinária para se entregar de corpo e alma nesta sua nova esperança. Conheceu sua atual esposa em um dos inúmeros resgastes de animais presos vivendo em precárias condições com seus donos que maltratavam, espancavam diariamente. Preferiram não ter filhos, pois criavam em casa sete cachorros e vinte e sete gatos encontrados na rua.

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Herlen, Raquel, Alex e Pedro são ótimas pessoas e más ao mesmo tempo. Existem pessoas que os respeitam, enquanto que outros tiveram suas vidas destruídas pelas suas ações. Comportamentos amorais entremeados em cidadãos e cidadãs que passeiam pelas ruas da cidade incólumes. São mais de 7 bilhões de seres humanos vivendo em momentos diferentes, alguns em pleno gozo de saúde, enquanto que outros estão condenados por doenças terminais. Empresários que empregam milhares de colaboradores, mas que precisam pagar propinas para não serem prejudicados pelos fiscais do município. A mãe de família que permite fornicar com o chefe do seu trabalho para não perder seu emprego, o único sustento da sua morada. Anjos e demônios travestidos de seres humanos. O próximo é um risco inopino de vida e amá-lo é uma atitude Divina no campo do sobrenatural e irracional no natural.

 

Publicado em 03.05.18

Faz parte: Sopro de Luz, 37ª Antologia da Sobrames-CE, 2020

 

Desmatamento da Amazônia – uma Fraude contra o Brasil

Sempre este assunto vem à tona. Desmatamento para cá, queimadas lá na Amazônia, mas o Brasil desponta como a maior potência ecológica do mundo, apesar das críticas insistentes contra. Tem 85% da floresta nativa, utiliza 80 % de toda a energia elétrica que consome de forma limpa (hidrelétricas) e, ainda, alimenta cerca de 1,5 bilhão de pessoas com 8% de sua terra. O Brasil tem mais florestas que Estados Unidos, Canadá e Rússia cujo o território é o dobro do Brasileiro. A área de matas preservadas é o dobro da mundial. A Amazônia real mantém 98% da sua vegetação natural intocada (3).

Algumas personalidades mal-informadas ou mal-intencionadas atrapalham o debate quando postam mentiras sobre o assunto. O ator Leonardo Di Caprio, a modelo Gisele Bündchen e o atrapalhado presidente frânces Emmanuel Macron já utilizaram uma foto da década de 70 de uma área sob fogo como se fosse atual. O presidente francês chegou a dizer que é um caso de “crise internacional” e que deveria ser discutido com os países do G7 de forma emergencial. Muitas fotos de animais queimados são de outras localidades como da Califórnia e São Paulo. Um vídeo que mostrava uma mulher indígena chorando enquanto apontava para as chamas que foi divulgado por celebridades é, na verdade, de uma mulher da tribo da região metropolitana de Belo Horizonte-MG. Até o jogador Cristiano Ronaldo denunciando as queimadas da floresta amazônica que seria responsável pela produção de mais de 20% do oxigênio mundial postou uma foto que é de um incêndio na Reserva Ecológica do Taim, no Rio Grande do Sul ocorrido em 2013(1).

Quando se fala de desmatamento, parece que, somente, existe floresta sendo devastada aqui no Brasil, mas esquecem os outros países. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), nos sete primeiros meses de 2020, houve um aumento de 44% no número de queimadas na América do Sul, comparando com o mesmo período do ano anterior. Esse crescimento foi maior na Argentina (286%), Uruguai (177%), Paraguai (129%) e, no Brasil, pasmem, 4%! A China responde por 27,9% da emissão dos gases do efeito estufa. Ninguém fala nisso. O Brasil aparece com 1,3% das emissões. Por que não se fala do aquecimento global causado pela China?(6)

Se for falar de queimadas em um país continental como o Brasil, tem que entender a diferença entre absoluto e relativo e compreender que o número de queimadas por quilômetro quadrado é mais importante, a título de comparação e estudo, que o número absoluto de eventos. De janeiro até julho de 2020, o Brasil registrou cinco queimadas por 1000 quilômetros quadrados, ao passo que a Venezuela registrou 38 pontos de calor na mesma área; o Paraguai, 36; a Colômbia, 17; e a Argentina, 10.

Parece que o desmatamento sempre piora na Amazônia, mas houve queda de 7% nas queimadas em 2020 em comparativo com os primeiros sete primeiros meses de 2019.

Os incêndios, que são espontâneos, não acontecem na Amazônia uma vez que a floresta é úmida. A queimada, por outro lado, é uma tecnologia agrícola muito utilizada pelos pequenos agricultores da região. O acesso as tecnologias mais modernas podem ajudar a diminuir esta prática, mas o produtor precisa de meios para poder adotar as tecnologias.

A legalidade é uma forma eficaz de diminuir as queimadas. Cerca de 95% dos produtores rurais registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) não promovem nenhum foco de calor nas suas propriedades. Na grande maioria das vezes, os pontos de calor são notificados em áreas não incluídas no CAR.

Outro ponto importante: produção rural pelo povo local. Existem 1 milhão de produtores rurais na Amazônia, a produção é insignificante para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, mas é a sobrevivência do povo da região. O produtor rural pode utilizar 20% do seu imóvel para produção autorizado pelo Código Florestal, deixando 80% com vegetação nativa, mas não querem que ele use esses 20% por estarem na Amazônia (2). Outro detalhe: é preciso dar atenção aos cultivos perenes na Amazônia, como o cacau, dendê e seringueiras. A mídia internacional só tem associado a região ao desmatamento, mas os estados são grandes produtores de cacau, dendê, açaí, soja, milho, algodão, café e mandioca. Nem todo produto do extrativismo tem o comportamento vantajoso do açaí. Para ajudar esta bioeconomia estes pequenos produtores da Amazônia precisam de modernização, por meio da oferta de novas tecnologias, barateamento do calcário e mecanização agrícola, entre outras medidas (6).

O Brasil é um país campeão na produção de comércio de produtos agrícolas e tem incomodado países no primeiro mundo que tem encontrado dificuldades de aumentar a sua área cultivada por falta de espaço o que o Brasil tem de sobra. Nosso país tem batido recordes na produção de grãos, mas a sua área plantada não seguiu este crescimento. Em 1975, era de 40 milhões de hectares, para uma produção de 40 milhões de toneladas; atualmente, está em torno de 65 milhões de hectares para uma produção seis vezes maior – em 2020, a safra recorde de grãos foi de 255 milhões de toneladas. Na agropecuária, as exportações de carnes aumentaram 90% com a produção 42% maior em uma área 10% menor. Por isto que pode se afirmar que o agronegócio protegeu 310 milhões de hectares do desmatamento em três décadas. O aumento da produtividade fez com que a área fosse poupada desmatamento ou devolvida para recomposição da vegetação natural (4). Existem 500 milhões de hectares, ou 60% de todo o território nacional que não estão ocupados por qualquer estabelecimento rural – imaginem uma economia pujante considerando que o agronegócio produz cada vez mais no mesmo espaço.

Há décadas, acreditou-se que poderíamos viver em uma época de escassez de comida, mas, atualmente, o Brasil produz por ano alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas, ou cinco vezes a própria população. Tornou-se um dos maiores produtores de comida do mundo: maior exportador de soja, carne, frango, açúcar e café. Colhem-se três safras por ano.

Este país que dá certo está incomodando os grandes e, nesta guerra econômica, não medem esforços ou mentiras para ganharem. Uma das principais medidas é insistir que a Amazônia está sendo destruída devido os interesses do agronegócio e, por isto, irá acabar com o oxigênio do planeta e envenenar o mundo com agrotóxicos. Ameaçam cortar investimentos ou boicotar o país contra a produção rural brasileira. Sem esquecer das inúmeras ONG que precisam de causas para ganharem investimento – principais veiculadoras de mentiras como acima referidas. É uma fraude maciça contra o Brasil.

 

Edmar Fernandes de Araujo Filho

 

 1.https://g1.globo.com/google/amp/fato-ou-fake/noticia/2019/08/22/veja-o-que-e-fato-ou-fake-sobre-as-queimadas-na-amazonia.ght

2.https://www.canalrural.com.br/programas/informacao/mercado-e-cia/embrapa-mitos-e-verdades-queimadas-desmatamento/amp/

*3.https://jovempan.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/j-r-guzzo/desmatamento-na-amazonia-e-conto-do-vigario-em-escala-planetaria.html?amp

4. https://www.girodoboi.com.br/destaques/agro-protegeu-310-mi-de-hectares-do-desmatamento-no-brasil-em-tres-decadas/amp/

5. https://www.politize.com.br/desmatamento-no-brasil/

6. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/17/brasil-tem-condicoes-de-monitorar-e-combater-desmatamento-afirmam-especialistas

7. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-02/desmatamento-na-amazonia-tem-queda-de-70-em-janeiro-diz-governo?amp

8. https://valor.globo.com/google/amp/politica/noticia/2021/03/18/bolsonaro-defende-politica-contra-desmatamento-na-amazonia-em-reuniao-do-bid.ghtml