quinta-feira, 31 de maio de 2018

Poema - Triste desejo

Triste desejo

Voar já não me encanta
Debruçar-me sob o céu também
Outrora, o sol me espanta
Agora, meu martírio me sobrevém

Peco por imaginar tanto
Carinho das flores do bem
Secura em meu pranto
Não se oculta, se mantém

Se já não posso voar
Também insisto em denegrir
A bizarra imagem do podar
No seio da ignorância que irá parir

É um triste desejo de ceifar
A inoperância do destino
Querendo me arrastar
Para longe de eu-menino

Não preciso seguir deduções
De débeis ensinamentos
Sujo, imundo, fedidas porções
Embriagam-me em tormentos



Estorvos nas traves do saber
Dilui o beneplácito beijo
De transgredir o ego e temer
Um triste desejo

Limoeiro, 25.09.99

domingo, 20 de maio de 2018

Poema - Tu

Tu

Verter tuas lágrimas por pão
É bem mais eloquente
Que esforçar-te por um não
Uma negativa que jaz em tua mente

Tu não és mais aquela formosa
Nem mesmo já fora
Aceita esta face dolorosa
Até desmerecida é tua pele loura

Bom-dia não tens
Labor é tua rotina
Preza mais pelos teus bens
Ouro brilha em tua retina

Porca imunda te denominam
Ingrata tu és
Ódio e rancor te dominam
Denigre até a fé dos infiéis

Tu não tens salvação
Nem mesmo o sol que clameja
Por tua alma que perece em solidão
É injucundo a tua peleja

Tua força se esvai
Por dentre os dedos do tempo
Tu não cede e recai
No viés do teu tormento

Recife, 29.09.99

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Poema - Tua ida

Tua ida

Não me importa se sou feliz
Até porque não há lógica
De viver sem esperança
De sacrificar-me por esta aliança

Se já não te quero, não há senso
Para me desculpar em vão
Julgo-te ter em meus braços
Não vinga sem meu coração

Agora, eu presenciei tua ida
Não ias nos meus braços
Estavas encantadora, linda

Dói agora o meu peito
Não te importa se estou infeliz
Outro te ama e está satisfeito

Recife, 23.02.99

terça-feira, 15 de maio de 2018

Poema - Umbuzeiro IV

Umbuzeiro IV

O passado te serve como presente?
Teu hoje é o ontem
Não quero estar em ti
Para que a nostalgia seja o meu néctar

Luto com os meus pensamentos e ideias
O futuro é meu parceiro ou parceira
Não carrego arrependimento
Nem sofrimento

Desejo-te paz interior
Vida com todo ardor
Alegria de viver com furor

Não me aproximo mais
Pois há uma cerca
Que te envolve nos teu ais

Umbuzeiro, 20.09.99

domingo, 13 de maio de 2018

Poema - Mamãe

Mamãe

Chamo de mamãe
Por que assim sou eu
Metade enquanto mãe
Impossível, pois sou todo teu

És minha querida
És linda magnitude
Tua frondosa arte bendita
Enseja-me de plenitude

Te quero como uma estrela
Te anseio como o mar
Os dois são únicos, lampeja
O meu orgulho de te amar

Não posso esquecer a confissão
Que eu fiz para te agradecer
Uma união com Deus
Para fazer você me receber

Tenho fotos contigo
Ser supremo
Ora, abraçado, segurando o teu umbigo
Ora, chorando e você me acolhendo

Estas meras colocações não precisam
O que me transtorna
Se sou teu filho
Por que estou longe de ti agora?


Umbuzeiro-PB, 03.10.99

sábado, 12 de maio de 2018

Poema - Umbuzeiro III

Umbuzeiro III

Posso tentar escrever para distante
Mas não fujo da escravidão
Dos ciúmes, brigas,
Não há mais amor, solidão

É um mundo de tristeza
Planeta de desgraça
Não quero estragar teu dia
Então, não se aproxime, vadia

Em outro momento te quero
Quero mais que amor
Quero toda em mim
Nua sem cetim

Novamente, te pertenço
E tu me devoras
Na tua pele quente e suada vou me afogar
Para depois de odiar

Umbuzeiro, 20.09.99

sexta-feira, 11 de maio de 2018

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Poema - Umbuzeiro II

Umbuzeiro II

O vento mesclou-se com a chuva
Foi o retrato da nossa paixão
Perfeição assim, não existe
Nós dois, então

Vou falar de amor
Brincar de carinhos
De que vale nossos sonhos
Se não estivermos juntos para sempre?

Falo por meio de vis palavras
Nada que represente
A felicidade, a alegria
De ter-te comigo presente

Vou apregoar minha busca
Tu és minha escolhida
Traga o produto do melhor vinho
Teu beijo embora minha

Umbuzeiro, 20.09.99

terça-feira, 8 de maio de 2018

Poema - Umbuzeiro I

Umbuzeiro I

Tu falaste em sonho
Esqueceste-se de mencionar meu nome
Eu sonho, tu sonhas, todos, então,
Não vingue sem teu coração

Já não me basta esta angústia
Algo de atroz em teu rosto me seduz
Teus encantos mórbidos
Abatem-me com uma cruz

Visualizei nosso fim
Era exuberante, era feliz
Vi escuridão, sombras
Nada me surpreende, julgas

Julgas que és alheio a mim
Não desfrutas do amor
Que um dia faltou
E você chorou

Umbuzeiro-PE, 20.09.99

domingo, 6 de maio de 2018

Conto - O choro


O choro

Em um estranho amanhecer, a vida se abstraiu em amor. A dor trouxe alegria, a calmaria não era bem vinda. O choro da criança naquele momento findo da gestação permitiu que a paz reinasse entre os seus convidados. O parto de João fora aguardado assim como a calmaria após a tempestade. O grito de vida da criaça ecoava por todos os espaços da obstetrícia do hospital. Os médicos felizes pela saúde estampada da criança confirmada pela força produzida pelos pulmões do recém nascido. O choro significa a chegada da esperança.
Ele berrou por uma razão que não entendia e, logo após, estava no seio da sua mãe, sorvendo um maná que fazia o incômodo passar. Eram momentos de carinho de calor agradável de pele com pele. Havia um aroma gostoso de amor, aconchego. Neste momento, inciava um processo que se expressava em um sorriso, uma serenidade e satisfação. A associação era imediata – fome, choro, maná, satisfação e sono. Era o instinto de sobrevivência que brotava como um ramo alegria e paz em um ambiente familiar. O choro significa fome e saciedade.
Um barulho estoteante abalou e feriu seu ouvido. O grito de medo transfigurou-se através da sua face assustada. Um prato caia no chão e a paz estabelecida foi dilacerada em fragmentos. A paz já não era possível continuamente, algumas vezes, ela poderia ser rompida. O susto existia, o inesperado poderia ser doloroso. O medo é real e palpável. O pavor foi acalentado com um abraço, um canto e, logo, aqueles hormônios do tensão que torturavam o corpo daquela criança, iam diminuindo cada vez mais a medida que os humores de serenidade iam contagiando o seu semblante. O choro significa susto e medo.
Certa vez, foram passear com João e, de repente, seus pais desapareceram.  Ele pranteou copiosamente. A sensação de abandono era punjante. Estava em um meio desconhecido, vultos bizarros, objetos estranhos. Após longos minutos, o cansaço começava a vencer seu frágil corpo de 4 anos e chorar já não resolvia mais, precisava elaborar outra estratégia para se adaptar. Aos poucos, notava sons semelhantes ao seu e buscava se aproximar do igual. Haviam outros semelhantes a ele neste espaço e o movimento frenético de correr, sorrir, pular o empolgava cada vez mais. Seus pais aparecem e o interrompeu nas suas brincadeiras no seu primeiro dia na cheche. O choro significa abandono e frustração.
A alegria de ir ao colégio permeava seu ser. João gostava do meio acadêmico que o conduzia a esferas cognitivas por ele ainda não percebidas. As experiências discorridas nos livros, experiências orais dos professores submergiam em mundos diversos. A força da intelectualidade avançava a passos largos e invisíveis no seu ser em desenvolvimento acelerado. No meio deste universo infinito do nosso ser, há a carne e ossos que carregam nossa mente. Em um lapso de segundos, toda a massa compacta do seu corpo precipita-se pela escada principal do colégio quando corria para mais um recreio festivo. O sangue se espalha pelo seu corpo e farda, a dor explode e as lágrimas não conseguem ser contidas. O alvoroço dos colegas criam uma imagem de agonia, vergonha e desespero. A dor continua e o sangue não para de jorrar.  O choro significa dor e sangue.
João aparece em mais um dia de férias com a sua família em um sítio do seu tio. Muita alegria no ar e inúmeras possibilidades jocosas. A empolgação do jogo de vôlei era visível. Ele tem notado que, cada vez mais, está crecendo e conseguindo bloquear na rede; a sua importância no time é crucial. Sua voz está se tornando grave o que o torna um homem perante seus pares de 14 a 15 anos. As inúmeras conversas sobre relacionamentos, namoros vão brotando nas intermináveis confraternanizações de amigos nas mesas próximas da piscina . Nas festas é possível trocar olhares com  garotas. O coração bate rápido, a testosterona vai a mil, o calor é tácito e a vergonha inerente. No último dia de férias, recebe um pequeno pedaço de papel com alguns corações desenhados escrito com uma caneta rosa  – “ você é um gato”. Uau! O que dizer$ uma sensação inatingível. Ele terá que ir embora para casa sem saber o autor da pequena declaração, e precisa$ Quando está deixando para trás estas férias, olha através do vidro  e sente que perdeu tempo para descobrir mais e chora. O choro siginifica emoção e paixão.
As lágrimas caiam juntos com os seus cabelos para festejar  o início da faculdade. Ser adulto agora é para valer. Oficialmente estava aprendendo uma nova habilidade para o mercado de trabalho. Vai receber seu dinheiro, em breve, e fazer o que bem entender. Liberdade já podia ser vislumbrada. Algumas disputas por melhores notas ou estágios dentro do campus já é um treino para o futuro. O choro significa conquista e aprendizado.
A dor de ver seu filho em coma é inimaginável. Não há descrição. O esposo quando perde sua esposa se transforma em um viúvo; o filho quando perde  o pai é denominado orfão e o pai que perde seu filho$ Somente a expressão da dor estampada no seu rosto pode decifrar este momento. Cada minuto, ca da notícia é importante para alimentar uma esperança da recuperação do filho. João estava, totalmente, absorto com os seus sonhos centrados no seu único filho estendido naquela cama de UTI pediátrica. Seus olhos estão edemaciados, avermelhados, sensíveis de tanto chorar. É um final de tarde qualquer, o médico que está saindo do plantão, cansado, cabelo desarrumado, roupa amassada, ao passar pelo pai, acena com a cabeça e segue seu caminho. João está sentado, com o olhar no infinito e, de repente, é surpreendido por uma mão no seu ombro. É o plantonista que acabou de sair e sentiu no coração que deveria dizer uma novidade presenciada por ele
 – João, seu filho já começa a dar sinais de melhora. Em breve, ele deve sair da UTI e ir para a enfermaria, disse o médico.  O choro pode siginificar desesperança e milagre.
No enterro de João, inúmeros pessoas buscam espaço para dar o último adeus. Se mede a qualidade de vida de um indivíduo pela quantidade de presentes no seu velório. Haviaa mais de duas centenas de conhecidos, amigos e parentes abatidos pela partida de um ente tão querido. O que vai importar agora é o legado, a experiência, os ensinamentos que ele deixou e que irão lembrar por muito tempo, principalmente, os filhos. Estes não seguem, necessariamente,  o que os pais dizem; eles são guiados pelos exemplos dos seus progenitores.  O choro  significa um adeus.

Finalizado em 30.09.16
Faz parte da antologia Sobrames regional Ceará 2018



sexta-feira, 4 de maio de 2018

Poema - UTI

UTI

Agora, estou em um ambiente mórbido
Mortal para o espírito
Cruel com brandos sentidos

Imagino como seria se não houvesse
Tão triste encontro
Esperança de quem quer salvar
Anseio de quem pede para morrer

Sons, luzes, cores se misturam
Ar gélido me abomina
Tenho medo do grito, do silêncio

Digam que eu fugi
Respirarei o suficiente para esternutar
Longe deste letal mundo UTI

Recife, 23.09.99

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Ciclo de palestras sobre o desenvolvimento de crianças com autismo - direcionado para médicos e estudantes de medicina

Dia 05.05.18, 8h, auditório Riomar Papicu
https://youtu.be/2C1DlP48wVE

Conto - Sobre o bem e o mal


Sobre o bem e o mal
Herlen é um bem-humorado curitibano que mora no estado do Acre desde a sua infância. Tem lembranças amargas do colégio, pois sempre estava acima do peso e os seus colegas o nomeavam com diversos apelidos infames para uma criança suportar como elefante ou rolha de poço. Estudioso, colecionava medalhas de ouro devido excelentes notas e boletins que enchiam de orgulho seus pais. Filho único, sempre desejou ter vários irmãos e, se possível, um gêmeo. Não teve dificuldades para passar no vestibular para Engenharia Elétrica, ficou em terceiro lugar. Os dois primeiros lugares eram gênios também, Alex e Pedro. Fez logo amizade com ambos e se tornaram irmãos de verdade. Relacionamento profícuo que alimentava os saberes da nova profissão vindoura. Costumeiramente, se reuniam para conversar sobre os mais diversos assuntos afetivos e segredos, algumas vezes, perturbadores.
Raquel morava em Lima, capital do Peru desde seu nascimento, pois sua mãe sofreu um acidente aéreo, quando o avião estava pousando no aeroporto da cidade matando toda a tripulação e alguns passageiros. Estava grávida de sete meses e acompanhava o marido em uma de suas inúmeras viagens para esta capital proveniente de Salvador, sua terra natal. Apresentava uma gestação de alto risco que o seu obstetra orientou, por diversas vezes, a evitar esforços desnecessários, incluindo, viagens aéreas. Em alguns momentos, Raquel perguntava-se por que sua mãe insistia em viajar mesmo com as advertências médicas. Quem contava estes detalhes para ela era a sua tia Núbia que tentava preservá-la de outros acontecimentos do passado, relacionado aos seus pais, que poderiam abalar o mundo de Raquel como a existência de uma amante em Lima que era o motivo das diversas idas do seu pai para a capital peruana. Sua mãe, tentando preservar o casamento, insistia em estar ao lado, continuamente, do seu pai, na tentativa de frustrar o encontro dos enamorados mesmo colocando em risco a gravidez como da sua própria vida.
Alex, que se tornou amigo de Pedro e Herlen na faculdade de Engenharia Elétrica, era um jovem que enfrentava a depressão há dois anos antes do vestibular. Supõe-se que o estresse da cobrança dos seus pais para passar na prova foi um desencadeador do processo. Sua família já sofria com esta doença devido o seu pai, alcoólatra, que desenvolveu depressão grave a ponto de ser internado por meses em clínicas psiquiátricas. Certa vez, ainda adolescente, ouviu alguns especialistas em um simpósio sobre saúde mental que achavam absurdo uma pessoa ser internada nestas clínicas psiquiátricas ou hospitais. Referiam que a família deveria permanecer com o doente, pois é importante a socialização e o contato constante com a família mesmo em uma fase psicótica quando o paciente perde a consciência dos seus atos e agride pessoas, quebra objetos de forma a pôr em risco sua vida e de outras pessoas. Alex ficou estupefato com o escárnio que aquelas pessoas proferiam. Elas não sabem como é difícil uma família ver um ente querido se tornar um sujeito agressivo, inconsequente dos seus atos em casa em meio a um pânico avassalador. É necessário potentes medicações injetáveis e vários dias de internamento para existir a possibilidade de volta ao convívio social e familiar. Alex e sua família já eram testemunhas de um sistema de saúde que não prioriza seus pacientes psiquiátricos sem local para internar adequadamente quando necessário. Ouvira falar sobre uma luta antimanicomial que foi a causa da diminuição dos leitos para os pacientes psicóticos agudos. Não entendia como alguma pessoa em sã consciência poderia ser contra as vagas em hospitais psiquiátricos para estas pessoas que estão sofrendo, gritando, correndo pelas ruas nus, sem pudor, capazes de matar e de tentar o suicídio.
Pedro nunca pensou em se casar. Com vinte e dois anos de idade, era decidido a manter um namoro para sempre com Rebeca. Ela sugerira o casamento por diversas vezes, mas ele foi decisivo em procrastinar este noivado. Algumas pessoas achavam muito estranho este relacionamento, pois ela, habitualmente, aparecia com o olho roxo, chorando pelos cantos e evitando se expor publicamente para que não notassem as feridas físicas e espirituais decorrentes das brigas com Pedro. Certa vez, após uma discussão barulhenta, ela decidiu acabar com o seu enlace com Pedro. Foi uma tragédia na vida destas duas pessoas. Ela contou para seus pais e todos os seus amigos o que acontecia no namoro. Ele a espancava por qualquer motivo. Foi o primeiro namorado dela e não conseguia se afastar muito tempo dele já que o amava demais. Escondia este sofrimento de todos para que ninguém se intrometesse no seu relacionamento causando mais dor e angústia. Por sete anos ela suportou este martírio, desde os dezesseis anos de idade.
·          
Herlen se transformou em um dos mais brilhantes alunos que a faculdade já teve. Antes de concluir o curso, já fora convidado a ser um dos professores da universidade. Como era necessário ter um doutorado que servia de pré-requisito para lecionar, foi permitido preparar sua tese em paralelo com o trabalho como um virtuoso mestre. Assíduo em seus compromissos era motivo de orgulho do corpo docente desta entidade. Era, frequentemente, convidado para ser o paraninfo das turmas de formando que se despediam todos os anos. Seu relacionamento com Pedro e Alex também sofreu mudanças. Alex que no início era um brilhante aluno piorou seu rendimento a ponto de ter que repetir uma cadeira. Algumas vezes, Herlen procurava chamar Alex para ir a algum bar para tomar uma cerveja, mas não sabia como, Alex odiava bebida alcoólica por causa do seu pai e isto afastava o convívio de ambos. Pedro sempre acompanhava Herlen. Os dois se preocupavam com Alex que era motivo de longas conversas.
Raquel começou a praticar pequenos furtos para sair com as suas amigas. Sabia que a sua tia não tinha dinheiro para comprar roupas, sapatos, joias e ingressos para shows ou entrada para boates. Precisava estar sempre bem vestida e pronta para viajar ou estourar o cartão de crédito em qualquer visita a um shopping. Os primeiros furtos foram dentro da sua própria casa e sua tia percebeu. Aconselhou Raquel a não seguir este comportamento cleptomaníaco. Em certo momento, ela foi expulsa de casa. O mundo, então, a abusou e ela se entregou por completo. Se transformou em uma vendedora de drogas e se enveredou na prostituição. Durante o dia, dormia. Usava crack no desjejum após as três horas da tarde. Mandou matar e matou muitos que ousaram não pagar pelas drogas. Espancou muitas jovens que tentavam sair da prostituição. Organizou e conseguiu dinheiro para assaltos a carros-fortes e, posteriormente, a caixas eletrônicos com dinamites furtadas de uma mineradora. Não conseguia frear seus impulsos, seus pensamentos sobre si mesma, eram confusos. A única certeza que ela acreditava era que, somente, conseguiria parar com este comportamento ensandecido se algo disruptivo acontecesse. Um tiro no abdome e outro na coluna conseguiram este intento.
Alex começou a participar de mutirões para arrecadar fundos, roupas, mantimentos para a construção e manutenção de algumas clínicas de reabilitação para drogados. Sentia a necessidade de ajudar estas pessoas carentes de afetividade e, a maioria, de recursos financeiros já que não conseguiam trabalhar. Se identificava consigo. A face triste, sem o brilho nos olhos eram muito familiares e, de certa forma, traziam conforto. Não que fosse sadista, mas não era incomum os diversos relatos estapafúrdios sobre vidas de famílias destruídas pelas drogas ou doenças psíquicas. Foi se tornando um nome reconhecido pelo seu altruísmo e dedicação. Muitos vinham buscar ajuda, comida, dinheiro, uma amizade ou conselho. Sentia que poderia ajudar mais se fosse vereador de sua cidade. Desta forma, seria mais fácil conseguir recursos para estas clínicas psiquiátricas e ajudar a aperfeiçoar o modelo de saúde mental desta cidade. Participou de um sufrágio que ficou como suplente. Aprendeu como é difícil conseguir votos de forma honesta, pelo voto ideológico. Decepcionou-se com diversas pessoas que tinha ajudado e que se prontificaram em apoiá-lo na campanha, mas que trabalharam e votaram em outro candidato por um milheiro de tijolo ou por uma nota de cinquenta reais. Algumas agradáveis surpresas como pessoas que o ajudaram e trabalharam, voluntariamente, mesmo sem nunca ter feito nada por estas pessoas, simplesmente, por que acreditava nas propostas dele. Depois de um tempo afastado dos seus amigos dos tempos da faculdade, marcou um encontro em sua casa com ambos e voltaram a repetir os encontros semanalmente.
Pedro inconformado com o fim do seu relacionamento com Rebeca havia cinco anos, não parava de tramar uma vingança contra a sua ex. A morte era um fim na maioria dos seus planos. Começou a investigar todos os lugares frequentados por ela. Sabia a hora de chegada e saída do trabalho e todo o trajeto percorrido de sua casa até a academia. Como não tinha tempo para ficar monitorando, contratou um detetive para poder fazer este serviço, queria informes diários. Até que um dia, mesmo temeroso, o detetive descreve uma saída de Rebeca com um outro homem para um jantar em um restaurante e, depois, ela o convida para passar a noite no seu apartamento. Por breves segundos, Pedro fica sem palavras, ausência de mente e espírito. Pega uma arma que ficava guardada em uma caixa de sapato debaixo da cama e sai decidido a pôr um fim a este relacionamento. Matará a Rebeca e este safado que ousou tocar nela. Sai disparado em sua moto pelas ruas da cidade, cortando carros, ultrapassando sinais vermelhos. Não ouviu quando um policial pediu para parar em uma blitz. Iniciou-se uma perseguição sem que ele notasse, seu objetivo estava a poucas quadras dali. Quando, de repente, cai da moto. Passou um tempo desacordado e, lentamente, procurava entender o acontecido. Olha em volta e observa os transeuntes e curiosos tentando ajudá-lo. Uma ambulância do SAMU chega e uma das enfermeiras se aproxima para saber como ele está e prepara a sua remoção. Ela explica que um cachorro passou na rua correndo e foi atropelado pela moto dele. Pedro pede para ver o cachorro. Ele está agonizando no meio da rua sem ninguém para socorrer. A enfermeira e o médico insistem para que ele permaneça deitado para poder providenciar a remoção para um hospital de trauma mais próximo. Não está sentindo a clavícula esquerda quebrada e diversos arranhões nas costas e nos seus membros. Almeja salvar a vida daquele cachorro. Ele é tomado por uma compaixão nunca antes sentida. A polícia também quer prendê-lo. Herlen, ao saber do ocorrido, chega ao local do acidente para saber como está seu amigo. Pedro fica muito feliz quando reconhece o seu amigo e explica que ele precisa salvar aquele cachorro. Precisava levá-lo para um hospital veterinário imediatamente. Se houver despesas, ele arcará com tudo e assim fez Herlen.
·          
Herlen está aguardando o diagnóstico do veterinário para aquele cachorro que o seu amigo Pedro confiou. Está apreensivo, amava os animais. Sai um pouco para deambular na calçada do Hospital para relaxar. Um menino de, aproximadamente dez anos, pede esmola para ele. Subitamente, Herlen é tomado por uma estimulante sensação estranha ao ver aquela criança. Olha em volta para saber se alguém está observando. Pergunta o nome do garoto, se está acompanhado de alguém. Oferece para o infante dinheiro e almoço na condição de acompanhá-lo para o seu apartamento. Uma longa conversa se inicia com risadas e suaves toques no rosto do infante que responde com receio, cabeça baixa. Herlen deixa-o aguardando em uma lanchonete próxima comendo um sanduíche e um refrigerante enquanto volta para averiguar a situação do cachorro. O veterinário afirma que irá sobreviver. Precisou de uma cirurgia para conter um sangramento abdominal devido contusão grave do fígado. Herlen deixa tudo pago e avisa para Pedro das condições do seu cachorro e tudo que está sendo feito para salvá-lo. Na verdade, Herlen está ansioso para levar aquele moleque para seu apartamento e gozar até não poder mais consigo como há anos ele vinha fazendo com outras meninas e meninos que passavam por suas mãos.
Raquel estava internada em um hospital público há duas semanas. Não conseguia parar de chorar. A dor que sentia era imensa. Não movimentava as suas pernas. Os médicos explicaram que a sua coluna foi afetada por um dos projéteis. Sentia falta das drogas que consumia regularmente e, em alguns momentos, teve convulsões e delírios por causa da abstinência. Períodos de desespero e angústia. Suas lembranças e pensamentos estavam desconexos. Uma profunda tristeza invadia seu espírito. Era incapaz de imaginar uma solução para o seu presente. Passava o dia todo calada, sem conversar com ninguém. Algumas respostas monossilábicas para o médico que a visitava diariamente. Certa vez, ao observar um semblante ameno e feliz de uma senhora que estava limpando o seu quarto despertou sua atenção. Algumas vezes, era capaz de ouvir o canto sutil que saía dos lábios da funcionária encarregada da limpeza do andar do hospital. A presença desta pessoa trazia paz de certa forma, não sabia explicar. Insinuou umas palavras para chamar a atenção daquela mulher que se apresentava com uma paz inesperada para aquele coração aflito. Iniciou-se uma amizade que permaneceu após a alta da Raquel do hospital. A funcionária, nos dias de folga, acompanhava Raquel na fisioterapia, retornos para consulta com os médicos e, parcimoniosamente, Raquel foi compreendendo a necessidade da presença de Deus na vida dela estimulada pela sua nova colega. Começou a frequentar a igreja da sua amiga e participar de cursos bíblicos. Ajudar os mais necessitados virou sua missão de vida e, como apresentava uma oratória que contagiava as outras pessoas, logo foi iniciado o processo para prepará-la para ser pastora. Sempre testemunhava sobre a sua vida. Tudo o que passou até estar ali, em cima do púlpito, em uma cadeira de rodas servindo a Deus era, minuciosamente, relatado para todos que estivessem preparados para ouvir.
Alex estabeleceu uma meta para a próxima campanha eleitoral, juntar dinheiro suficiente para a compra de votos e propaganda para conseguir aumentar suas chances para vereador. Aumentou seu trabalho junto com as comunidades mais carentes procurando ajudá-las e guiá-las nas suas demandas e denúncias para melhorias das suas condições de vida. Havia muitas pessoas que o apoiavam. Seus aliados aceitavam a necessidade da compra de voto de outras pessoas para conseguir o objetivo que seria bom para todos os cidadãos daquela cidade. A corrupção naquele momento seria com um objetivo justificado para ajudar outras pessoas. Sua consciência ardia em chamas ao pensar neste ato inescrupuloso em conseguir seu intento, mas a necessidade de ajudar os cidadãos suplantava o malefício da desonestidade, pensava.
Pedro adotou aquele cachorro nomeado puffy e passou a dedicar sua vida à proteção dos animais. O que aconteceu com o puffy era uma realidade nas estradas e ruas das cidades com seus animais abandonados. Criou uma ONG para a defesa da fauna e pagava uma mensalidade mensal para o Greenpeace. Pensou em fazer Medicina Veterinária para se entregar de corpo e alma nesta sua nova esperança. Conheceu sua atual esposa em um dos inúmeros resgastes de animais presos vivendo em precárias condições com seus donos que maltratavam, espancavam diariamente. Preferiram não ter filhos, pois criavam em casa sete cachorros e vinte e sete gatos encontrados na rua.
·          
Herlen, Raquel, Alex e Pedro são ótimas pessoas e más ao mesmo tempo. Existem pessoas que os respeitam, enquanto que outros tiveram suas vidas destruídas pelas suas ações. Comportamentos amorais entremeados em cidadãos e cidadãs que passeiam pelas ruas da cidade incólumes. São mais de 7 bilhões de seres humanos vivendo em momentos diferentes, alguns em pleno gozo de saúde, enquanto que outros estão condenados por doenças terminais. Empresários que empregam milhares de colaboradores, mas que precisam pagar propinas para não serem prejudicados pelos fiscais do município. A mãe de família que permite fornicar com o chefe do seu trabalho para não perder seu emprego, o único sustento da sua morada. Anjos e demônios travestidos de seres humanos. O próximo é um risco inopino de vida e amá-lo é uma atitude Divina no campo do sobrenatural e irracional no natural.
03.05.18

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Poema - Só corre

Só corre

Só corre
Só corre
Está gritando
Socorre

É uma mulher perdida
De beleza não fortuita
Pelas ruas esquecida
Só corre, socorre

Lamentando outro homem
Entretanto, entre outros tantos
A beleza que o tempo cobrou
Se esforça, porque sua hora chegou

Só corre, só corre
Grita e corre
Pede e busca
O amor que não conseguiu ter
O homem que não chegou a conhecer

23.02.98

terça-feira, 1 de maio de 2018

CETV 1°edição Crise da Santa Casa de Fortaleza 27.04.18


https://globoplay.globo.com/v/6694679/

Conto - Nove segundos


A sensação era de um soco no braço. Não entendeu o motivo. Um susto. Sentia o coração batendo forte, acelerado e uma breve sensação de falta de ar o preocupou. Percebeu o barulho semelhante a um tiro e levantou a suspeita de ser uma tentativa de matá-lo com uma arma de fogo. Deveria pensar rápido, pois era necessário sair daquele ambiente hostil. Não adianta saber o motivo. Tanto faz se é um assalto, vingança ou loucura, o fato é que a ameaça era real e o pavor emergia subitamente.
Consegue identificar o seu algoz, um homem de meia-idade, pardo vestido com camisa e calça de cor escura sem mais detalhes. Neste momento, é difícil reconhecer pormenores. Não quis fitar seu inimigo, pois poderia perder tempo em escapar com vida. Toda a sua atenção estava em evitar ser alvejado novamente. A pupila se dilata e há uma busca por outros sujeitos que poderiam estar no ambiente para executá-lo. Os disparos poderiam vir de outros lugares, era uma possibilidade preocupante. Como não identificava o motivo, imaginar cenários mais tenebrosos pode ser útil para diminuir as surpresas.
O homem, sem falar nada, aponta para o seu peito e aciona o gatilho continuamente. Torce para que os disparos não o atinjam a contento. Em meio a várias explosões, não consegue precisar quantos novos disparos o estão atingindo. Sente o metal quente alojado em seu abdome e coxa, mas, ainda, não sente dores. A sobrecarga de adrenalina na corrente sanguínea prepara o corpo a um estado de fuga que inibe, parcialmente, a dor e aumenta a circulação sanguínea em torno dos músculos dos membros inferiores que ficam prontos para correr para longe do risco. Seu rosto está pálido devido a diminuição do fluxo sanguíneo na sua pele para se concentrar em órgão mais necessário para esta emergência. Os batimentos cardíacos elevados, a frequência respiratória disparada ajuda a oxigenar o sangue que banhará os músculos dos membros inferiores e o cérebro para elaborar uma estratégia de sobrevivência mais eficaz.
Tem a sensação que morrerá se não agir imediatamente. Não considera que um socorro externo possa chegar a tempo de evitar o pior. A decisão precisa ser tomada. Procurar se proteger dos projéteis é uma ação imediata e inicial. Alguns segundos demoram mais tempo para passar que outros, em certas ocasiões, as frações de segundos pareciam de horas.
Lembra que possui um revólver escondido no seu carro que está atrás dele. A defesa e o ataque devem andar juntos em momentos de extremo risco. Não há tempo de confabular estratégias mais sofisticadas ou ensaiar modelos de contrarresposta baseado em estudos multicêntricos das forças armadas ou de esquadrões de polícia para ataques sofridos. O sistema 1, descrito por Daniel Kahneman no Livro “Rápido e Devagar”, é exigido sobremaneira nestes momentos. É a ação imediata do ser humano frente a qualquer estímulo. Neste caso, a sobrevivência após uma agressão com potencial letal máximo. Vale tudo para continuar vivo. Se extingue os pudores, a moral e a ética, pois não haverá estas virtudes no além vida. É um dever existencial manter-se vivo, para poder continuar a sua história como casar, ter filhos, enfim, passar seu código genético para frente como em processo de defesa da manutenção da própria espécie. É um ato inerente de qualquer ser vivo, a busca pelo prolongamento da sua presença no plano da realidade que se vive consciente ou inconscientemente.
Os últimos tiros que o atingiram, geraram um impacto que o direcionou para dentro do carro que estava com a porta aberta. Ao cair em cima dos bancos, fez uma rápida avaliação na sua condição física e sentiu que estava apto para agir prontamente. A chama da esperança que urge nestes momentos, brilhava para ele. O medo é quando alguém fica incapaz de poder reagir, quando as forças se esvaem. Por ter sido atingido pela arma, esperava-se que ficasse cambaleante, inutilizado para se mover, mas não foram afetados órgãos vitais ou, pelo menos, ainda, não tinha tempo suficiente para haver um colapso de algum órgão nobre ou de um grande vaso que ocasionasse uma hemorragia mortal.
Como em um movimento ensaiado, estica o braço para o local onde deixa sua pistola com capacidade de 18 disparos que estava com o pente completo debaixo do painel do seu carro. Bimestralmente, mantinha o hábito de ir para um clube de tiro para descarregar sua arma e adquirir nova munição. Há 2 anos fez um curso para tiro categoria iniciante. Uma namorada, que era sócia do clube, o levou para conhecer este esporte e o estimulou a participar destas aulas iniciais para possuir um certificado que o permitia frequentar o clube de tiro e treinar. Compareceu ao curso de tiro de defesa para se precaver em situações de ameaça de vida. O professor repetiu inúmeras vezes, para nunca ser esquecido, fuja do perigo, é a melhor forma de se defender. Ser herói é conveniente nas revistas em quadrinhos ou nos cinemas. Esta orientação o seguia costumeiramente, principalmente, em tempos de insegurança nas ruas onde civis estão morrendo em meio a uma sanguinária narcoguerra de facções ou em assaltos para subtrair um relógio que será trocado por uma pedra de crack. Nas conversas com colegas, há uma crescente e perturbadora desesperança quando se ouve a notícia de mais uma vítima assassinada. Algumas vezes, há o relato da tentativa de reação da vítima sendo a justificativa para o seu assassinato, pois o bandido se sentindo ameaçado, mata para se proteger. Os comunistas, socialistas, ainda entremeados na sociedade, defendem a tese de que a polícia é má e que o bandido é vítima da sociedade e que comete estas atrocidades por que não tem outra forma de conseguir o seu sustento. Há um processo de demonização da polícia e romantização dos bandidos, assassinos, ladrões. Alguns integrantes dos Direitos Humanos explicam que a polícia, somente, deveria reagir se o bandido atirar primeiro ou, em outras palavras, após ser alvejado, a polícia ou o cidadão comum podem reagir. A insegurança aumentou muito e existem relatos gravíssimos de ações dos marginais ceifando a vida dos cidadãos. Até adolescentes estão matando, aleatoriamente, transeuntes para poder fazer parte de alguma facção como um teste de coragem.
Encaixa a mão no cabo da sua arma e consegue puxá-la sem dificuldades para a frente do seu corpo. Ainda está deitado sem conseguir visualizar adequadamente o carrasco. Levanta a cabeça subitamente para poder melhor visualizá-lo. Permanece a mesma distância com as pernas entreabertas, joelhos semiflexionados com arma em punho apontando para a sua direção. Considera outras ações como fechar a porta do carro ou ligar o carro para fugir, mas não haverá tempo para isto. Desengatilha sua arma e começa a atirar também. Logo ao primeiro disparo, nota que o seu algoz para de atirar e se afasta para evitar ser atingido também. Neste momento, quem era a vítima passa a ter condições de se proteger e aumentar suas possibilidades para se manter vivo. Levanta-se subitamente e consegue alcançar seu oponente tentando fugir com a arma virada para trás tentando atingi-lo. Continuam trocando tiros. Neste penúltimo segundo, sobrevém uma tontura e sua visão começa a escurecer. Provavelmente, um dos disparos atingiu algum órgão ou vaso que está sangrando consideravelmente.
Tem que se proteger, pois o seu inimigo pode notar e voltar para completar o serviço. Deve procurar proteção derradeira e garantir que inutilizou o meliante ou o assustou suficiente para provocar sua fuga. Há um certo alívio pois, conseguiu evitar sua execução sumariamente. Ainda é cedo para comemorar. Precisa manter a atenção. Foram 9 segundos do início da ação até o momento da escapada do seu agressor. Várias considerações povoam este momento para responder o motivo de estar vivo como sorte ou Graça Divina. Vem à sua mente a imagem da sua família, esposa. Deseja estar na presença deles. A tontura aumenta, mas acredita que resistirá.


1°maio - por melhores condições de trabalho