domingo, 29 de abril de 2018

Poema - Reticências para o poeta

A esperança tornou-se frágil
Somente reticências para a vida
O medo foi vencido porque
Um...

A natureza brinca desconfiada
Os terríveis furacões, brisa se tornaram
A rima, também, está vencida porque
Um poeta...

Seu mundo, palavras
Seus gestos, rimas
Venero sua posição cabisbaixo porque
Um poeta imortal...

Seu nome, mas não vou dizer
Sua genialidade e obras, também, conheço
Atrozes tentáculos do destino se manifestam porque
Um poeta imortal morreu

25.06.98

Poema - Reflexão na Cama

À noite, fujo da insônia
De dia, procuro Orfeu
É uma tríade de açoite
Sono, insônia e eu

Agora é amanhã, durmo
À tarde, também
É previsível meu plantão noturno

É um vício
Um jogo de sofrimento
Um lado de sacrifício
Outro de tormento

Peleja insônia insana
Do vulgo feroz
Reflexão na cama

Umbuzeiro, 26.09.99

Conto - Inesperado

Sempre é bom ouvir boas notícias, poderia ser uma constante. Sentir sempre paz, animado, tudo dando certo é um sonho magnífico. De repente, surge algo que abala nossa convicção de um mundo ideal só de alegria e gozo. Acontecem tribulações, imprevistos, acidentes e temos que começar a nos recuperar para voltar a tranquilidade. A vida de Sérgio também é assim – desta forma podemos perceber que ele é uma pessoa normal. O que faríamos com um sucesso sucedendo um atrás de outro ininterruptamente$ Não que a idéia da felicidade perene seja desagradável, apenas não é conhecido um experiência real de uma pessoa que tenha vivido sempre em alegria.
Consideração sobre a obrigatoriedade de existir tribulações -  o que é bom para alguém pode ser ruim para outro e vice-versa, se não, vejamos: uma nota de cem reais pode causar tristeza ou alegria – tristeza de quem perdeu e alegria de quem ganhou. Ainda há outra possibilidade: quem encontrou a nota de cem reais pode se sentir com a obrigação de devolvê-la, já que não pertence a ela e, sim, a outra pessoa. A sensação de realizar o que é certo, segundo o que ela acredita, a preenche com uma sensação de dever cumprido e para quem recebe, um resgate, um lucro de algo que havia se perdido. Portanto, dependendo de nossas atitudes, para um mesmo acontecimento pode haver tristeza ou alegria, satisfação e justiça.
É necessário esclarecer que o conceito de felicidade pode variar de pessoa a pessoa. Alguns vivem felizes com um salário mínimo todo mês, outros não e ainda reclamam que deveriam estar recebendo mais; alguns são felizes com a família completa, outros não e ainda esbravejam que os filhos são vagabundos; alguns se alegram com o almoço servido, outros não e ainda reclamam que a comida está fria.
O que tem a haver Sérgio com isso$ Ele não está preocupado em debater sobre os questionamentos existenciais que são, filosoficamente, gerados , à forceps, em quartos frios e sem graça. Para ele, basta estar vivo e conseguir o sustento para a casa. O nosso personagem ensaia algumas vezes a liberdade de opinar sobre quaisquer assuntos que ele tenha assistido na televisão. Algumas vezes, também cita  outras fontes de informação: as outras pessoas. Sim, os outros , especificamente, fulano ou beltrano e seus amigos em conversas no trabalho, no caminho para casa no ônibos cheio ou no jogo de dominó às terça e quinta-feiras. Desta forma, toda a memória de Sérgio é tomada de vários notícias que lhe são repassadas desde problemais conjugais até política. É muita informação!
Nosso personagem é um homem respeitado na rua onde mora, nunca se envolveu com brigas, sempre está atento para ouvir alguma reclamação de um vizinho e nunca queimou o lixo de casa formando toda aquela fumaça chata que ataca os pulmões e rinites de todos como o vizinho, do outro lado da rua, da casa 37, costuma fazer toda vez que o carro do lixo demora passar e acumula todo tipo de imundície no muro ao lado.
De repente, o mundo ruiu na cabeça de Sérgio. Assim que ele chega em casa, só encontra fumaça e restos do que já foi a sua moradia, restou nada. Não conseguiu ficar ansioso para encontrar algo, pois havia um vazio absoluto. Os vizinhos correram para lhe contar que, quando começou o incêncio, arrombaram a porta da casa para tentar apagar o fogo, mas muitos aproveitaram para levar os pertences da sua casa que estavam intactos. Ele já não entendia o que diziam: ouvia, mas não escutava, gesticulavam a esmo em sua frente. O tudo virou um nada! As sirenes da polícia, corpo de bombeiros gritavam avisando da presença das autoridades. As conversas paralelas dos curiosos enchiam de amargura o peito vazio. O passado insistia em trazer todas as reformas dos quartos, o dia e a hora da aquisição de cada eletrodoméstico, as contas de água, luz, boletos de pagamento do ventilador de teto e do jogo de cadeiras da sala – algumas pagas e outras a se vencer. Sérgio lutava para definir estratégias para decidir o que fazer, mas não conseguia. Tentava lembrar do local de cada móvel da casa, a posição da mesa, se a TV e a luz da sala estavam ligados ou desligados – mas ,não mais importava, repetia e repetia tentando se auto convencer do ocorrido.
Começa a sentir, suavemente, o tocar de mãos em seus ombros e algumas vozes, não consegue reconhecer de quem são. Permite-se sentar em um banco improvisado em frente da casa do vizinho de 37. Aceita um copo de água que insistem em lhe oferecer. O líquido desce como lama intolerante, vomita tudo. Vomita o choro que feria seu estômago e agora arde em seus olhos. As lágrimas limpam todo o seu presente insípido e triste.   A força da chuva do pranto evidencia um espírito que clama por ajuda. A sua casa destruida é o ocaso da sua redenção. A casa de um homem é uma âncora do navio da vida, sem ela, fica à deriva. Nesse passeio inesperado pelo ocaso do desespero, surgem elementos desconhecidos no caminho. Nesse mar revolto sem um norte, a esperança é permanecer vivo. Pensar no futuro alvoroça ainda mais o presente e chama de volta o passado. Ele se agarra nas memórias felizes para justificar o presente. Não consegue acessar o futuro, ele não existe. Ele tem que continuar a vaguear nesta vida, mas não consegue mais andar sem o passado. O passado agora é o seu amigo, o mantém conectado com a sua vida de outrora. O presente lhe traz angústia, raiva, preguiça, fome, alcool, crack, prostituição, surras, vomitos, sujeira, mas o passado o faz lembrar, dormir. O futuro se  atrofiou na sua mente e o passado é muito poderoso e presente. É como um tirano imbatível com seus exércitos de milhares de soldados sedentos por sangue. Em uma ditadura atroz, o sucesso é sobreviver de todo o modo, é a grande revolução.
E como um mantra do seu apocalipse, um coro de vozes que brotam do abismo da sua existência preenche o seu presente: Não é necessário mais sobreviver, desnecessário é viver!
Faz parte so Livro Faz do Conto III - 2018

Conto - Desculpas

— Não beberei mais – apresentando uma convicção que transparecia uma beldade mitológica, um deus com d minúsculo da coerência.
— Não beberei mais e digo mais, não beberei desta bebida dispendiosa e infeliz, falava referindo à cerveja quente ingerida no estádio de futebol, pois alguns comerciantes preferem ouvir as lamúrias dos seus clientes quanto a temperatura inadequada das ampolas de cevada do que amargar um prejuízo de estocar no freezer, vários engradados e serem esquecidos pelos torcedores infiéis.
Neste momento, Sérgio invoca uma sabedoria questionada e violenta pela sua complexidade hepática:
— A partir de hoje somente irei voltar a ingerir bebida alcoólica por um motivo extremamente importante, salutar e, se tiver que beber mesmo, que seja cachaça pela sua elegância, pureza em exprimir os nossos valores cearenses.
Sérgio se permitiu enlouquecer e dizer pensamentos absortos que a experiência benfazeja dos anos, insiste em nos presentear. Muito provável que preferia cachaça porque era mais barata. Existe, realmente, um vasto campo de estudo da bebida fermentada a partir da cana-de-açúcar e ele sabia disso. Em vez de ler mais sobre o assunto, viajar para alambiques pelos Estados brasileiros, como Minas Gerais, preferia, simplesmente, beber o que pudesse e pronto!
- A cachaça não é uma bebida alcoólica – continuava Sérgio - é uma seiva aromada da cana-de-açúcar que nos permite o deleite de conduzir uma conversação. Se Jerusalém fosse situada na cidade de Redenção, a Bíblia Sagrada teria sido reescrita: Acarape, Aracoiaba, Pacatuba teriam sido citadas por passagens dos apóstolos e a aguardente seria consagrada em vez do vinho – bem, são conjecturas que não quero enveredar – finalizava.
E assim, Sérgio desfilava razões para continuar o seu deleite pelo alcoolismo que devastava a sua vida e a da sua família. Todo dia, ele encontrava uma razão descosturada da realidade para tragar mais uma dose percebida pela vasta maioria de fugazes conhecidos, esparsos amigos e impessoais familiares que tentavam persuadi-lo de abandonar esta caverna de horrores inebriantes. A dura vida vivida era regada com um manancial de goles de qualquer tipo de bebida – o que determinava era o dinheiro disponível na carteira ou no crédito, cada vez mais raro, que tinha dos donos de estabelecimentos. Sérgio ainda mantinha conta em caderninho o que muitos consideravam uma excelência da antiguidade boêmia – o famoso pendura. É muita moral um indivíduo encher a cara e depois gritar, do outro lado do estabelecimento, —  pendura aí, depois eu pago. Algumas vezes, era o único jeito que o dono do bar tinha de agir, já que o honroso devedor ia pagando o montante da dívida em partes, e como nunca finalizava, tinha que continuar mantendo a permanência diária deste tipo de cliente queima o filme e, deveras, chato. Se ousasse não encher o copo de cana do cliente com contas a pagar, este simplesmente, iria se aventurar nas ruas escuras e fétidas atrás de outro boteco que começasse a encher o seu papo com cana e sofresse um novo processo de calote em curto prazo.
— Tenho uma saúde de ferro, com um pouco de ferrugem aqui e outro ali – gabava-se Sérgio – e isso era verdade. Por mais que chegasse tarde em casa depois de tanta bebida, às 5h15 estava em pé trabalhando firme como o asfalto das estradas cearenses – onde basta um mormaço para florescer buracos. Apenas a cabeça que doía muito, quando olhava para os lados, latejando como a queda de um prato a dez metros altura em cima do crânio, e uma vontade de vomitar, principalmente, quando soluçava e ele soluçava, demasiadamente, quando se acordava após estas inebriantes farras.— Essa ressaca tá diferente, sussurrava. Fora esta sensação de farnizim que se  assemelhava como um grito de morte que se instalava em seu corpo, desnecessariamente, quando tomava seus porres constantes, o resto da sua saúde era de ferro; desconsiderando a espinhela caída desde moço – traço genético familiar; um joelho inchado há cinco anos depois que deu uma joelhada na quina de uma mesa pessimamente instalada em uma sala escura. Vale uma nota deste episódio: Não entendeu como algum mentecapto poderia ter posicionado uma arma tão nociva como a ponta de uma mesa de centro na altura da bolacha do joelho de um homem de estatura mediana, bêbado e sem enxergar nada devido não conseguir ligar o interruptor da luz. Muito provável que um irresponsável instalou um interruptor em um lugar que um bêbado desmiolado tem dificuldade de raciocinar – na parede.  
    Desculpas e mais desculpas para continuar vivendo uma vida infeliz. Algemas, correntes, prendem Sérgio ao seu vício. Não consegue identificar o vício como o causador da sua débil saúde, casamento esfacelado, faltando quinze dias para ser demitido já que está cumprindo o aviso prévio que a empresa solicitou. Desculpas até quando não puder mais. Algumas pessoas podem, também, não concordar que o vício do álcool seja a causa do seu infortúnio, quem sabe? Em um mundo de possibilidades, algumas vezes, mentiras e verdades, realidades e  mitos se misturam e mudam os conceitos do que é normal e patológico. Algumas vezes, precisamos decidir qual rumo seguir, tomar decisões que tem de ser feitas. Neste caso, se o nó para ser desatado que ajudasse a resolver a vida de Sérgio for o alcoolismo, que assuma a doença e busque alternativas para resolvê-lo sem desculpas ou mentirinhas.
    Qual a decisão de Sérgio? Continuar curtindo a vida ou parar, absolutamente, a ingestão de álcool? Precisa suspender, totalmente, ou pode ficar tomando pequenas doses esporádicas e aproveitar a euforia momentânea? A melhor resposta seria: tá tranquilo, cada um tem a vida que merece!

01.10.16
Faz parte da Antologia do CCC - 2018