quarta-feira, 15 de junho de 2011

Os dilemas de Humala no Peru
Confira artigo do cientista político argentino Atilio Boron, publicado no jornal argentino Página/12 (Tradução: Cepat), avaliando o que a vitória do candidato de esquerda Ollanta Humala no Peru representa para a América Latina. Humala venceu a candidata de direita Keiko Fujimori - filha do antigo presidente Alberto Fujimori – no dia 5 de junho.


No momento em que escrevi estas linhas, todas as bocas de urna davam Ollanta Humala como vencedor. Ao se confirmar essa tendência, o clima de renovação política e social instalado na América Latina desde o final do século passado se verá consideravelmente fortalecido. Um Peru que supostamente abandonaria, com o novo governo, sua postura de incondicional peão do império – lamentável situação a que chegou não pela mão do conservador Alejandro Toledo , mas pelo ex-líder aprista Alan García –, seria uma lufada de ar fresco para os governos de esquerda e progressistas da América do Sul.
Não é um mistério para ninguém que Washington moveu todo o seu arsenal financeiro, político e propagandístico para impedir a vitória de Humala . O nervosismo evidenciado na semana passada pela “comunidade de negócios” do Peru que, assim como seus homólogos de outras partes do mundo, tem acesso à informação que os demais não têm, refletia a preocupação que causava em suas fileiras a eventual derrota do fujimorismo: por causa disso, a Bolsa de Lima registrou uma queda de 6%.

O establisment peruano, personificado desde o século XIX por seu intelectual orgânico, o jornal El Comercio , assumiu com tal descaro seu papel de organizador do anti-humalismo que o próprio Mario Vargas Llosa renunciou a continuar escrevendo em suas páginas. A CNN não foi atrás dele: na sexta-feira passada, sua principal apresentadora, Patricia Janiot , submeteu o candidato da coligação “Gana Perú” a um interrogatório que, por sua forma e conteúdo, a desqualifica, pela enésima vez, como jornalista e a confirma como operadora política a serviço da Casa Branca. O governo de Alan García, evidentemente, não ficou atrás nesta cruzada direitista.

Convém, em todo o caso, descartar hipóteses maximalistas: o Peru assinou o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, que entrou em vigor no dia 1º de fevereiro de 2009, e os condicionamentos deste acordo não deveriam ser subestimados. Por outro lado, a coalizão eleitoral forjada por Humala será outro elemento restritivo no caso de despertar no novo presidente a vocação “bolivariana” que muitos lhe atribuem, mas que foi refreada durante a campanha eleitoral.
E seus inimigos – a oligarquia e as transnacionais, ambas apoiadas por Washington – são muito poderosos para serem desafiados sem antes preparar cuidadosamente a batalha. Mas é um homem que denunciou como poucos as injustiças que desde tempos imemoráveis são cometidas no Peru, e há razões para supor que será fiel a tão nobres sentimentos. Além disso, os ensinamentos que as recentes eleições deixam – Chile, em 2010; Espanha, há duas semanas; e Portugal, no último domingo – são uma sóbria advertência de que diante da gravidade da crise capitalista e da acentuação da congênita incapacidade desse sistema para distribuir, sequer com um mínimo de equidade, os frutos do crescimento econômico (mais que evidente no “milagre peruano”), a adoção de uma política resignada e “possibilista” que continue pela vereda não necessariamente luminosa traçada por seus antecessores é o caminho seguro para uma rotunda derrota ao cabo de alguns poucos anos.

Há um velho dictum da teoria política que diz que os povos preferem o original à cópia: sofreram-no na própria carne a Concertación no Chile, o PSOE na Espanha e o (mal chamado) Partido Socialista em Portugal.

Mas, ultrapassando estas observações cautelosas, é de se celebrar que – em um momento em que na América Latina o imperialismo e a reação estão passando à contraofensiva com inusitada agressividade, cercando a região com bases militares – a vitória de Ollanta possa representar um marco, anunciando a reversão dessa nefasta tendência.
Por enquanto, a liga reacionária do Pacífico, pacientemente construída por Washington para neutralizar a Unasul e a ALBA , e que tinha como esteios o México, a Colômbia, o Peru e o Chile, perdeu uma de suas duas peças vitais para o controle da Amazônia, pelo menos. O que não é pouca coisa!

Por Atilio Boron (revista Caros Amigos)

Um país de ricos e miseráveis

Mesmo sendo a 7ª economia mundial, país tem 44 milhões de pessoas pobres. Pesquisadores debatem as motivações e os efeitos possíveis do programa Brasil sem miséria, lançado pelo governo federal para acabar com a pobreza extrema


O lançamento do programa Brasil sem miséria, na semana passada, pela presidente Dilma Roussef, propõe um exercício de imaginação. "Já pensou quando acabarmos de vez com a miséria?", dizem as peças publicitárias sobre a nova estratégia governamental. As propagandas associam ainda o crescimento do país ao fim da pobreza extrema, meta que o governo pretende cumprir. São consideradas como miseráveis absolutas as pessoas que vivem com até R$ 70 reais mensais. Pelos dados divulgados pelo governo no lançamento do programa, há 16,2 milhões de pessoas nessa situação e outras 28 milhões em situação de pobreza. Pelos dados do Programa para as Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de 2010, o Brasil está entre os sete países mais desiguais do mundo, apesar de estar também entre os sete gigantes da economia mundial. Os dados mostram que as contradições e os desafios são muitos. É possível que o exercício de imaginação proposto pelo governo federal se torne realidade?

De acordo com o decreto que institui o Brasil sem miséria, o programa tem três objetivos, todos destinados à população extremamente pobre: elevar a renda per capita; ampliar o acesso aos serviços públicos; e propiciar o acesso a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de inclusão produtiva. Constituem ações do programa a expansão de políticas já existentes como ‘Bolsa-família', ‘Luz para todos', ‘Rede Cegonha' e ‘Brasil Alfabetizado', entre vários outras. A inovação, segundo o governo, está ,sobretudo, no fato de que pessoas que até então não são contempladas por nenhuma dessas políticas por fazerem parte de "uma pobreza tão pobre que dificilmente é alcançada pela ação do Estado" passarão a ser, já que será feita uma busca ativa para encontrá-las. Estão previstas também ações diferenciadas para a cidade e para o campo, onde a previsão é garantir assistência técnica. "Assim, todo o país vai sair lucrando, pois cada pessoa que sai da miséria é um novo produtor, um novo consumidor e, antes de tudo, um novo brasileiro disposto a construir um novo Brasil, mais justo e mais humano", diz a apresentação doprograma.

Para o economista Marcio Pochmann, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o programa é uma inovação na política social brasileira por estabelecer uma linha de pobreza para a qual foram definidas metas de atuação da política pública. Pochmann destaca que desde a redemocratização até a atualidade, os governos sempre tiveram metas para a área econômica, como metas de inflação e de superávit fiscal, mas metas para a área social como um todo ainda não haviam sido estabelecidas. "Evidentemente que cada uma das áreas em separado tem as suas próprias metas, como metas de vacinação ou de universalização da escola, mas não havia uma meta social que desse conta de uma síntese do ponto de vista da ação governamental. Essa forma de atuação da área social não permitiu, por exemplo, que nós tivéssemos uma coordenação na área social. Então, é uma inovação o estabelecimento de uma linha de pobreza e, ao mesmo tempo, o compromisso do governo de tirar as pessoas dessa condição de extremamente pobres", avalia.

O pesquisador ressalta que o programa visa atingir um número considerável de pessoas, praticamente um a cada dez brasileiros. "É o segmento que diz respeito ao núcleo duro da pobreza brasileira, de difícil acesso e que, portanto, exigirá uma maior capacidade de intervenção do governo. Nesse sentido, é fundamental as ações estarem cada vez mais articuladas do ponto de vista federal, estadual e municipal", analisa. "O Brasil, quando era a oitava economia mundial em 1980, já poderia ter superado a extrema pobreza. Não havia razão para que o Brasil tivesse extrema pobreza, a razão era política. E hoje somos a sétima economia do mundo, não há razão para termos essa quantidade expressiva de pobres. Não é que não tenha alimentos, o problema é político", completa.

Marcio Pochmann observa que a definição governamental de superar a condição de miserabilidade não quer dizer que o país chegará a uma condição na qual não haverá mais miseráveis, mas significará um avanço muito significativo nesse sentido. "Certamente haverá miseráveis pelas vulnerabilidades impostas por uma economia de mercado, mas do ponto de vista estatístico isso será residual", aposta. Para o pesquisador, países desenvolvidos mostram que, do ponto de vista estatístico, inexistem miseráveis. "São condições de ordem econômica que permitiram, por intermédio da política pública, praticamente a resolução da condição de miséria. Evidentemente que a pobreza existe, mas cada vez mais é uma pobreza relativa", diz.

Pochmann acrescenta que o modelo de desenvolvimento do Brasil é cada vez mais combinar o progresso econômico com avanço social. "Não há menção de superação do modo de produção capitalista, pelo contrário, é um aprofundamento do desenvolvimento capitalista, mas com travas de garantias de maior justiça na distribuição dos frutos do processo econômico", afirma.
 
Política de gotejamento
Para Virgínia Fontes, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense, a propaganda do governo de que todos sairão ganhando com o Brasil sem Miséria, não é mentirosa, já que há um ganho, embora muito pequeno, para os setores pobres e ganhos maiores para os setores ricos. "Isso está expresso como promessa e de fato aconteceu ao longo dos últimos oito anos, tanto na medida em que houve expansão do mercado interno, que é o mais evidente e mais imediato, mas, sobretudo, no aprofundamento da dívida interna", diz.

A professora ressalta que, mesmo diante de todas as críticas, é preciso considerar que, com o programa, há ganhos mínimos para as pessoas pobres no contexto de um país de extrema desigualdade como o Brasil. "Uma política de gotejamento como esta, que distribui gota de água para regiões muito áridas socialmente, surte algum efeito, já que é melhor ter gota d'água do que não ter água nenhuma. Do ponto de vista da redução da miséria absoluta, ele atinge alguma coisa, mas não altera as condições da desigualdade e irá continuar sem alterar essas condições". Para ela, essas mudanças mínimas não significam garantia de direitos. "É uma gota calibrada: não tem processo de reajuste, não tem compromisso com produção qualificada de trabalho socializado, tem um compromisso estritamente mínimo, que é dar uma renda minimíssima para os setores de pior condição. É melhor isso do que nada, mas isso não é um direito. A construção de direitos está bloqueada pela oferta de programas", aponta.
Com R$ 20 bilhões é possível acabar com a miséria brasileira?
Paralelamente às ações do Brasil sem miséria, o governo afirma que está montando também um completo mapa sobre a pobreza do Brasil. Pelos dados preliminares do ultimo censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2010, que embasaram a criação da proposta, aproximadamente 46% desses brasileiros extremamente pobres vivem na área rural. Além disso, 59% estão na região Nordeste e cerca de 70% dos extremamente pobres são pretos ou pardos. Os dados mostram ainda que 39,9% da população indígena do Brasil é extremamente pobre.

No lançamento do programa, foi anunciado que o montante de recursos empregados para as ações será em torno de R$ 20 bilhões anuais. Entretanto, em 2010, os recursos gastos apenas para o pagamento do Bolsa Família ficaram em torno de R$ 13 bilhões. Para Pochmann, diferentemente de outras decisões governamentais, o recurso não é o determinante dessa opção. "No passado se estabelecia um programa e se dizia: ‘vai se gastar tanto'. Em determinado momento se dizia que os recursos não seriam suficientes: ‘bom, é esse recurso que temos e infelizmente não será possível atender ao compromisso daquele programa'. Então, o recurso é que determinava a capacidade de intervenção, sem recurso não tinha ação. Hoje, o que determina a capacidade de intervenção não é o recurso, embora, claro, sem o recurso não tenha ação. Mas o determinante é o compromisso que o governo tomou. Ele diz que vai superar a pobreza extrema; se não superar, é o item em que o governo fracassou. E, então, a oposição terá mais força em seu argumento", opina.

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Ialê Falleiros tem uma opinião diferente sobre os recursos destinados ao programa. Para ela, o montante de recursos empregados não demonstra uma priorização dessas políticas sociais. "R$ 20 bilhões, isoladamente, parece interessante, mas quando olhamos o que é o orçamento federal, vemos que um valor muito maior do que esse é destinado para pagar a dívida pública", critica, mostrando uma reportagem do Pnud sobre o programa cujo título é ‘Brasil sem miséria e lucro para empresários'. De fato, do total do orçamento do governo federal previsto para 2011 e aprovado pelo Congresso no final de 2010 - R$ 2,07 trilhões -, R$ 678,5 bilhões serão destinados para o pagamento da dívida pública. "Então qual é o recado que esse programa quer passar do ponto de vista político, já que em termos econômicos ele é uma falácia? É o mesmo recado que os organismos internacionais vêm propondo em relação ao mundo: fazer parecer que tudo é uma coisa linda, porque todos estão engajados em colaboração, setores públicos e privados, todas as classes em sinergia em torno da proposta de colaboração para melhorar o mundo", observa.

De acordo com a professora, há uma tentativa de afastamento das visões críticas que faz parecer, por exemplo, que os pesquisadores que questionam esse tipo de política estão contra melhorar a vida das pessoas. "Não é possível ser contra beneficiar as pessoas que mais precisam, mas ao mesmo tempo, se não tivermos esse olhar ampliado para além dessa visão triunfalista do desenvolvimento, nós realmente não vamos enxergar essas nuances", pontua.

Virgína fontes lembra que no momento da posse da presidente Dilma o valor mencionado para combater a extrema pobreza girava em torno de R$ 40 bilhões, o dobro do que foi anunciado agora. "Isso indica que deve ter tido muita queda de braço entre os setores que vão ser contemplados com recursos públicos. Porque a discussão era de eventualmente chegar a R$ 40 bilhões do programa de bolsas, no sentido de avançar significativamente para uma melhoria mínima das condições de vida de praticamente toda a população brasileira. De fato, é uma melhoria mínima e é possível perceber isso pelo programa lançado agora", afirma.
Remendo

Na avaliação de Virgínia, com esse programa, o governo federal busca atualizar na retórica a luta popular que, na prática, ele tenta desmantelar. Segundo ela, o slogan principal do governo ‘País rico é país sem miséria', expressa uma contradição do modelo de produção. "Essa luta contra a miséria tem um lado ligado à própria expansão do capital internacional, da atuação do banco mundial, de uma nova filantropização. Mas também resulta de pressões e lutas de setores populares fortes. Só que, para não ter miséria nesse modelo, é preciso ser cada vez mais rico, o que significa que atacar a miséria é garantir a produção crescente da concentração da riqueza", contesta. 
Destacando que o capitalismo é um modo de produção que gera crises permanentemente, ela situa o Brasil sem miséria. "Do ponto de vista da lógica das crises do capitalismo, esse programa significa um grande remendo para tapar uma parte da tragédia social que foi sendo construída ao longo dos séculos XX e XXI, com a expropriação massiva da população e a formação, pela expansão do capital, de uma massa de mão de obra gigantesca, disponível para fazer qualquer negócio. Essa massa corria o risco de derrubar tudo, então, para que não derrubem tudo e se garanta que a concentração siga de maneira mais tranquila, se faz uma política dessas. Não é uma política que reforce as condições de auto-organização da população, mas sim da burguesia", define. Entretanto, de acordo com a pesquisadora, existe a possibilidade de o programa desencadear também processos de contestação. "Imaginando que ele dê completamente certo, essa população, até porque consegue respirar, pode reaprender a gritar e a gritar em novo tom", diz.
Fonte: revista Caros Amigos (em 14.06.11)


 

Proibição de retrocesso - sobre o código florestal proposto

Nossa ordem jurídica é fundada em uma Constituição, fruto de um Poder Constituinte originário, eminentemente político e (em tese) representativo da vontade popular, que em dado momento se uniu para dar voz aos anseios por anos reprimidos pela Ditadura Militar.

O Congresso Nacional é um poder constituído, livre para criar as leis que julga representar melhor seus eleitores, mas não pode subverter as linhas essenciais da Constituição, promulgadas pelo poder constituinte originário, salvo por meio de uma revolução política que exterminasse a atual ordem jurídica e soerguesse uma nova ordem, como ocorreu com as clássicas revoluções (francesa, cubana, soviética, etc.).
Dentre os direitos fundamentais previstos em nossa Constituição esta o de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial a sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Publico e a coletividade o dever de protegê-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225 da Constituição Federal).
Ora, é uníssona as vozes na comunidade cientifica no sentido que o atual modelo de produção capitalista, fundado no consumismo fútil, é insustentável, e que o aquecimento global e a perda da biodiversidade é uma realidade apocalíptica que se consubstancia a cada dia.

Nesse sentido as proteções ao meio ambiente existentes em nossas leis só poderiam avançar, tornar-se mais rígidas e exigentes, nunca regredir, sob pena de não cumprir a promessa de um meio ambiente equilibrado para as futuras gerações e incidir em frontal inconstitucionalidade.

Sabemos que o agronegócio, as grandes empresas produtoras de transgênicos e a indústria alimentar inundam campanhas eleitorais com rios de dinheiro e compram consciências políticas. Uma das mais fortes bancadas no Congresso é a ruralista (senão a mais forte). Isso produz um déficit de legitimidade democrática, pois os eleitos deixam de representar seus reais eleitores para servir aos seus financiadores.
Temos tolerado este déficit democrático como uma conseqüência do atual modelo de Estado. Porém, é inadmissível, por mais almas que se tenha a venda no mercado parlamentar, que Deputados e Senadores passem de representantes do povo (se é que na pratica realmente o são) para advogados do Diabo, propondo a restrição ou supressão de garantias e direitos fundamentais.
O Código Florestal proposto cria uma serie de brechas para ampliar o desmatamento, legitimar o já produzido e reduzir Áreas de Preservação Permanente. Bradam que a proposta vem para proteger o pequeno produtor e proporcionar o alargamento da produção alimentar. Resta indagar onde estas justificativas se amoldam em um País produtor de commodities em latifúndios, que se recusa a uma séria e comprometida reforma agrária e promove um discurso de deslegitimação e criminalização de movimentos sociais como o MST.

Se aprovado o Código Florestal esperamos que o STF tenha bom senso, e declare a inconstitucionalidade face a proibição do retrocesso na tutela ambiental.
É hora de refletirmos um pouco mais sobre o que nos legou Henry Thoreau em Walden: "As if you could kill time without injuring eternity" (tradução livre: "Como se fosse possível matar o tempo sem ferir a eternidade”).

Por Júlio César Prado de Oliveira (revista Caros Amigos)

* Júlio César Prado de Oliveira é advogado pós-graduado em Ciências Criminais e Direito Ambiental e Urbanístico

“Vivemos uma explosão da luta de classes em todo o mundo” Entrevista: Alan Woods

Escritor e teórico marxista galês, Alan Woods tem mais de 50 anos de militância marxista. Participou do combate à ditadura franquista na Espanha nos anos 1970, presenciou a Revolução dos Cravos em Portugal e hoje é o principal dirigente da Corrente Marxista Internacional e editor do site do Centro de Mídia Independente (CMI). Autor de mais de 20 livros traduzidos em 10 idiomas, no Brasil foram publicados dois: Razão e Revolução: Filosofia Marxista e Ciência Moderna” e “Reformismo ou Revolução – Marxismo e Socialismo do Século XXI: uma resposta a Heinz Dieterich.
Entre abril e maio desse ano, Woods fez um giro pela América Latina, passando por Bolívia, Argentina e Brasil, onde participou de reuniões, debates e palestras acerca da crise mundial do capitalismo e das insurreições dos povos árabes. Durantes os dias em que esteve aqui, reservou um tempo para receber a Caros Amigos e expor suas análises a respeito da situação política e econômica mundial, bem como sobre as perspectivas atuais das lutas anticapitalistas.

Caros Amigos - Podemos começar com a relação entre os levantamentos árabes e a geopolítica mundial. Como a crise econômica de 2008 influenciou as insurreições no mundo árabe hoje?

Não são apenas levantes. É uma revolução. É o despertar do grande povo árabe depois de décadas de opressão e silêncio forçado. É um acontecimento de grande importância histórica, representa uma mudança fundamental em toda a situação política mundial. Não é correto ver como algo isolado, um assunto especificamente dos árabes. Não, é mais uma expressão da crise global do sistema capitalista, que faz com que a vida seja cada vez mais intolerável para a massa dos trabalhadores e para a juventude. Nós não nos surpreendemos, já prevíamos isso, sobretudo no caso do Egito. Porque realmente há dois ou três anos o movimento grevista dos trabalhadores egípcios vem ganhando corpo, houve uma onda de greves muito forte nos últimos tempos.
Essa revolução começa no país aparentemente menos provável: Tunísia. Um país considerado pela burguesia como um país modelo, porque os tunisianos aceitaram todas as receitas do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, as privatizações, tudo isso. E tiveram uma taxa de crescimento alta, de 4%, 5%, 6%. Mas o povo não teve nenhum benefício com isso. Por exemplo, no caso da juventude, 75% dos jovens na Tunísia não têm trabalho. E em dezembro aconteceu o trágico caso do jovem de 26 anos, um graduado de universidade, que não encontra emprego e se vê obrigado a vender frutas na rua. Mas não o permitiram por ele não ter os documentos necessários. Ele foi espancado pela polícia e alguns dias depois se suicidou, ao atear fogo em si. E isso provoca uma insurreição nacional que reflete que já havia um descontentamento crescente que esperava só uma faísca. Foi realmente impressionante ver como a população derrotou a polícia. E o exército se negou a disparar contra o povo. Iniciou-se um processo de manifestações todos os dias, greves gerais, e finalmente cai a ditadura de Ben Ali e se desenrola um processo revolucionário que se estende a todo o mundo árabe.

Mas por que você classifica como revolução? Acredita que essas insurreições têm necessariamente uma perspectiva anticapitalista? Há os que fazem a análise de que vai acontecer um rearranjamento de quem está no poder, mas não no sentido de uma ruptura sistêmica.

A melhor definição de uma revolução que eu conheço está no livro A história da Revolução Russa, de Leon Trotsky. Na introdução, Trotsky questiona: “o que é uma revolução?” E responde da seguinte forma: uma revolução em sua essência é uma situação que não é normal, na qual as massas começam a participar da política e a tomar os seus destinos em suas mãos. Nesse sentido, o que está acontecendo na Tunísia e no Egito é exatamente uma revolução. Claro que não está terminado. Uma revolução não é uma peça de um só ato, a Revolução Russa de 1917, por exemplo, durou nove meses, de fevereiro a outubro. E dentro desses nove meses houve períodos de grandes avanços e também de reações e derrotas como em julho e agosto. Mas acredito que o melhor exemplo é a revolução espanhola nos anos 1930, que começa em 1931 com a queda da monarquia e só termina em maio de 1937, e nesses 6 ou 7 anos também houve momentos extremamente difíceis em 1934 e 1935, terminando em 1936.
Então qual é a etapa atual da revolução árabe? Podemos dizer que está na etapa de reivindicações democráticas. Me parece lógico: depois de décadas de ditadura, o povo quer os seus direitos. Mas em minha opinião, essa luta pela democracia necessariamente levará em certo momento a conclusões que vão mais além do sistema capitalista.
Porque nenhum governo burguês – como o do Egito – é capaz de dar ao povo o que é exigido. O que querem não são só os direitos democráticos, mas também um trabalho, uma casa, uma vida digna. Essas coisas o governo não é capaz de dar na Inglaterra, nos Estados Unidos, como vão fazer isso na Tunísia e no Egito? Creio que vai haver um processo que pode durar anos, com altas e baixas, mas que as massas, pouco a pouco, vão perceber que para satisfazer as suas reivindicações será preciso uma mudança fundamental, uma revolução socialista. Agora, mesmo na Tunísia e no Egito, as pessoas estão exigindo a confiscação dos bens e das propriedades dos clãs de Ben Ali e Mubarak. Lógico, porque são bandidos que roubaram muito dinheiro do povo, mas essas reivindicações já têm caráter socialista, a expropriação da propriedade privada.

Por que considera que tenha sido uma reação à crise econômica de 2008?
Todos os países árabes estão enfrentando uma situação dramática, Argélia, Egito, todos. No Egito, 76% dos mais jovens que 30 anos não têm trabalho, é uma situação dramática, porque não podem viver, não podem aspirar a ter uma vida normal, uma família, nada. É desesperador. E é uma condenação do sistema capitalista, não só nesses países mas em todo o mundo, também no Brasil. São países que necessitam de professores, médicos, engenheiros, cientistas, sim, mas esse sistema não é capaz de dar trabalho aos jovens, mesmo os graduados como o pobre homem que se suicidou em Tunísia.
Em segundo lugar, essas altas taxas de crescimento econômico não trouxeram nenhum benefício ao povo. No Egito, 40% da população ganha menos que US$ 2 por dia e 20% ganha US$ 1 por dia, um salário de fome. Por isso estou seguro que vamos ver um processo de tomada de consciência que cedo ou tarde vai desembocar em um questionamento às estruturas sociais e econômicas, é inevitável.
Por Gabriela Moncau

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