quinta-feira, 3 de maio de 2018

Ciclo de palestras sobre o desenvolvimento de crianças com autismo - direcionado para médicos e estudantes de medicina

Dia 05.05.18, 8h, auditório Riomar Papicu
https://youtu.be/2C1DlP48wVE

Conto - Sobre o bem e o mal


Sobre o bem e o mal
Herlen é um bem-humorado curitibano que mora no estado do Acre desde a sua infância. Tem lembranças amargas do colégio, pois sempre estava acima do peso e os seus colegas o nomeavam com diversos apelidos infames para uma criança suportar como elefante ou rolha de poço. Estudioso, colecionava medalhas de ouro devido excelentes notas e boletins que enchiam de orgulho seus pais. Filho único, sempre desejou ter vários irmãos e, se possível, um gêmeo. Não teve dificuldades para passar no vestibular para Engenharia Elétrica, ficou em terceiro lugar. Os dois primeiros lugares eram gênios também, Alex e Pedro. Fez logo amizade com ambos e se tornaram irmãos de verdade. Relacionamento profícuo que alimentava os saberes da nova profissão vindoura. Costumeiramente, se reuniam para conversar sobre os mais diversos assuntos afetivos e segredos, algumas vezes, perturbadores.
Raquel morava em Lima, capital do Peru desde seu nascimento, pois sua mãe sofreu um acidente aéreo, quando o avião estava pousando no aeroporto da cidade matando toda a tripulação e alguns passageiros. Estava grávida de sete meses e acompanhava o marido em uma de suas inúmeras viagens para esta capital proveniente de Salvador, sua terra natal. Apresentava uma gestação de alto risco que o seu obstetra orientou, por diversas vezes, a evitar esforços desnecessários, incluindo, viagens aéreas. Em alguns momentos, Raquel perguntava-se por que sua mãe insistia em viajar mesmo com as advertências médicas. Quem contava estes detalhes para ela era a sua tia Núbia que tentava preservá-la de outros acontecimentos do passado, relacionado aos seus pais, que poderiam abalar o mundo de Raquel como a existência de uma amante em Lima que era o motivo das diversas idas do seu pai para a capital peruana. Sua mãe, tentando preservar o casamento, insistia em estar ao lado, continuamente, do seu pai, na tentativa de frustrar o encontro dos enamorados mesmo colocando em risco a gravidez como da sua própria vida.
Alex, que se tornou amigo de Pedro e Herlen na faculdade de Engenharia Elétrica, era um jovem que enfrentava a depressão há dois anos antes do vestibular. Supõe-se que o estresse da cobrança dos seus pais para passar na prova foi um desencadeador do processo. Sua família já sofria com esta doença devido o seu pai, alcoólatra, que desenvolveu depressão grave a ponto de ser internado por meses em clínicas psiquiátricas. Certa vez, ainda adolescente, ouviu alguns especialistas em um simpósio sobre saúde mental que achavam absurdo uma pessoa ser internada nestas clínicas psiquiátricas ou hospitais. Referiam que a família deveria permanecer com o doente, pois é importante a socialização e o contato constante com a família mesmo em uma fase psicótica quando o paciente perde a consciência dos seus atos e agride pessoas, quebra objetos de forma a pôr em risco sua vida e de outras pessoas. Alex ficou estupefato com o escárnio que aquelas pessoas proferiam. Elas não sabem como é difícil uma família ver um ente querido se tornar um sujeito agressivo, inconsequente dos seus atos em casa em meio a um pânico avassalador. É necessário potentes medicações injetáveis e vários dias de internamento para existir a possibilidade de volta ao convívio social e familiar. Alex e sua família já eram testemunhas de um sistema de saúde que não prioriza seus pacientes psiquiátricos sem local para internar adequadamente quando necessário. Ouvira falar sobre uma luta antimanicomial que foi a causa da diminuição dos leitos para os pacientes psicóticos agudos. Não entendia como alguma pessoa em sã consciência poderia ser contra as vagas em hospitais psiquiátricos para estas pessoas que estão sofrendo, gritando, correndo pelas ruas nus, sem pudor, capazes de matar e de tentar o suicídio.
Pedro nunca pensou em se casar. Com vinte e dois anos de idade, era decidido a manter um namoro para sempre com Rebeca. Ela sugerira o casamento por diversas vezes, mas ele foi decisivo em procrastinar este noivado. Algumas pessoas achavam muito estranho este relacionamento, pois ela, habitualmente, aparecia com o olho roxo, chorando pelos cantos e evitando se expor publicamente para que não notassem as feridas físicas e espirituais decorrentes das brigas com Pedro. Certa vez, após uma discussão barulhenta, ela decidiu acabar com o seu enlace com Pedro. Foi uma tragédia na vida destas duas pessoas. Ela contou para seus pais e todos os seus amigos o que acontecia no namoro. Ele a espancava por qualquer motivo. Foi o primeiro namorado dela e não conseguia se afastar muito tempo dele já que o amava demais. Escondia este sofrimento de todos para que ninguém se intrometesse no seu relacionamento causando mais dor e angústia. Por sete anos ela suportou este martírio, desde os dezesseis anos de idade.
·          
Herlen se transformou em um dos mais brilhantes alunos que a faculdade já teve. Antes de concluir o curso, já fora convidado a ser um dos professores da universidade. Como era necessário ter um doutorado que servia de pré-requisito para lecionar, foi permitido preparar sua tese em paralelo com o trabalho como um virtuoso mestre. Assíduo em seus compromissos era motivo de orgulho do corpo docente desta entidade. Era, frequentemente, convidado para ser o paraninfo das turmas de formando que se despediam todos os anos. Seu relacionamento com Pedro e Alex também sofreu mudanças. Alex que no início era um brilhante aluno piorou seu rendimento a ponto de ter que repetir uma cadeira. Algumas vezes, Herlen procurava chamar Alex para ir a algum bar para tomar uma cerveja, mas não sabia como, Alex odiava bebida alcoólica por causa do seu pai e isto afastava o convívio de ambos. Pedro sempre acompanhava Herlen. Os dois se preocupavam com Alex que era motivo de longas conversas.
Raquel começou a praticar pequenos furtos para sair com as suas amigas. Sabia que a sua tia não tinha dinheiro para comprar roupas, sapatos, joias e ingressos para shows ou entrada para boates. Precisava estar sempre bem vestida e pronta para viajar ou estourar o cartão de crédito em qualquer visita a um shopping. Os primeiros furtos foram dentro da sua própria casa e sua tia percebeu. Aconselhou Raquel a não seguir este comportamento cleptomaníaco. Em certo momento, ela foi expulsa de casa. O mundo, então, a abusou e ela se entregou por completo. Se transformou em uma vendedora de drogas e se enveredou na prostituição. Durante o dia, dormia. Usava crack no desjejum após as três horas da tarde. Mandou matar e matou muitos que ousaram não pagar pelas drogas. Espancou muitas jovens que tentavam sair da prostituição. Organizou e conseguiu dinheiro para assaltos a carros-fortes e, posteriormente, a caixas eletrônicos com dinamites furtadas de uma mineradora. Não conseguia frear seus impulsos, seus pensamentos sobre si mesma, eram confusos. A única certeza que ela acreditava era que, somente, conseguiria parar com este comportamento ensandecido se algo disruptivo acontecesse. Um tiro no abdome e outro na coluna conseguiram este intento.
Alex começou a participar de mutirões para arrecadar fundos, roupas, mantimentos para a construção e manutenção de algumas clínicas de reabilitação para drogados. Sentia a necessidade de ajudar estas pessoas carentes de afetividade e, a maioria, de recursos financeiros já que não conseguiam trabalhar. Se identificava consigo. A face triste, sem o brilho nos olhos eram muito familiares e, de certa forma, traziam conforto. Não que fosse sadista, mas não era incomum os diversos relatos estapafúrdios sobre vidas de famílias destruídas pelas drogas ou doenças psíquicas. Foi se tornando um nome reconhecido pelo seu altruísmo e dedicação. Muitos vinham buscar ajuda, comida, dinheiro, uma amizade ou conselho. Sentia que poderia ajudar mais se fosse vereador de sua cidade. Desta forma, seria mais fácil conseguir recursos para estas clínicas psiquiátricas e ajudar a aperfeiçoar o modelo de saúde mental desta cidade. Participou de um sufrágio que ficou como suplente. Aprendeu como é difícil conseguir votos de forma honesta, pelo voto ideológico. Decepcionou-se com diversas pessoas que tinha ajudado e que se prontificaram em apoiá-lo na campanha, mas que trabalharam e votaram em outro candidato por um milheiro de tijolo ou por uma nota de cinquenta reais. Algumas agradáveis surpresas como pessoas que o ajudaram e trabalharam, voluntariamente, mesmo sem nunca ter feito nada por estas pessoas, simplesmente, por que acreditava nas propostas dele. Depois de um tempo afastado dos seus amigos dos tempos da faculdade, marcou um encontro em sua casa com ambos e voltaram a repetir os encontros semanalmente.
Pedro inconformado com o fim do seu relacionamento com Rebeca havia cinco anos, não parava de tramar uma vingança contra a sua ex. A morte era um fim na maioria dos seus planos. Começou a investigar todos os lugares frequentados por ela. Sabia a hora de chegada e saída do trabalho e todo o trajeto percorrido de sua casa até a academia. Como não tinha tempo para ficar monitorando, contratou um detetive para poder fazer este serviço, queria informes diários. Até que um dia, mesmo temeroso, o detetive descreve uma saída de Rebeca com um outro homem para um jantar em um restaurante e, depois, ela o convida para passar a noite no seu apartamento. Por breves segundos, Pedro fica sem palavras, ausência de mente e espírito. Pega uma arma que ficava guardada em uma caixa de sapato debaixo da cama e sai decidido a pôr um fim a este relacionamento. Matará a Rebeca e este safado que ousou tocar nela. Sai disparado em sua moto pelas ruas da cidade, cortando carros, ultrapassando sinais vermelhos. Não ouviu quando um policial pediu para parar em uma blitz. Iniciou-se uma perseguição sem que ele notasse, seu objetivo estava a poucas quadras dali. Quando, de repente, cai da moto. Passou um tempo desacordado e, lentamente, procurava entender o acontecido. Olha em volta e observa os transeuntes e curiosos tentando ajudá-lo. Uma ambulância do SAMU chega e uma das enfermeiras se aproxima para saber como ele está e prepara a sua remoção. Ela explica que um cachorro passou na rua correndo e foi atropelado pela moto dele. Pedro pede para ver o cachorro. Ele está agonizando no meio da rua sem ninguém para socorrer. A enfermeira e o médico insistem para que ele permaneça deitado para poder providenciar a remoção para um hospital de trauma mais próximo. Não está sentindo a clavícula esquerda quebrada e diversos arranhões nas costas e nos seus membros. Almeja salvar a vida daquele cachorro. Ele é tomado por uma compaixão nunca antes sentida. A polícia também quer prendê-lo. Herlen, ao saber do ocorrido, chega ao local do acidente para saber como está seu amigo. Pedro fica muito feliz quando reconhece o seu amigo e explica que ele precisa salvar aquele cachorro. Precisava levá-lo para um hospital veterinário imediatamente. Se houver despesas, ele arcará com tudo e assim fez Herlen.
·          
Herlen está aguardando o diagnóstico do veterinário para aquele cachorro que o seu amigo Pedro confiou. Está apreensivo, amava os animais. Sai um pouco para deambular na calçada do Hospital para relaxar. Um menino de, aproximadamente dez anos, pede esmola para ele. Subitamente, Herlen é tomado por uma estimulante sensação estranha ao ver aquela criança. Olha em volta para saber se alguém está observando. Pergunta o nome do garoto, se está acompanhado de alguém. Oferece para o infante dinheiro e almoço na condição de acompanhá-lo para o seu apartamento. Uma longa conversa se inicia com risadas e suaves toques no rosto do infante que responde com receio, cabeça baixa. Herlen deixa-o aguardando em uma lanchonete próxima comendo um sanduíche e um refrigerante enquanto volta para averiguar a situação do cachorro. O veterinário afirma que irá sobreviver. Precisou de uma cirurgia para conter um sangramento abdominal devido contusão grave do fígado. Herlen deixa tudo pago e avisa para Pedro das condições do seu cachorro e tudo que está sendo feito para salvá-lo. Na verdade, Herlen está ansioso para levar aquele moleque para seu apartamento e gozar até não poder mais consigo como há anos ele vinha fazendo com outras meninas e meninos que passavam por suas mãos.
Raquel estava internada em um hospital público há duas semanas. Não conseguia parar de chorar. A dor que sentia era imensa. Não movimentava as suas pernas. Os médicos explicaram que a sua coluna foi afetada por um dos projéteis. Sentia falta das drogas que consumia regularmente e, em alguns momentos, teve convulsões e delírios por causa da abstinência. Períodos de desespero e angústia. Suas lembranças e pensamentos estavam desconexos. Uma profunda tristeza invadia seu espírito. Era incapaz de imaginar uma solução para o seu presente. Passava o dia todo calada, sem conversar com ninguém. Algumas respostas monossilábicas para o médico que a visitava diariamente. Certa vez, ao observar um semblante ameno e feliz de uma senhora que estava limpando o seu quarto despertou sua atenção. Algumas vezes, era capaz de ouvir o canto sutil que saía dos lábios da funcionária encarregada da limpeza do andar do hospital. A presença desta pessoa trazia paz de certa forma, não sabia explicar. Insinuou umas palavras para chamar a atenção daquela mulher que se apresentava com uma paz inesperada para aquele coração aflito. Iniciou-se uma amizade que permaneceu após a alta da Raquel do hospital. A funcionária, nos dias de folga, acompanhava Raquel na fisioterapia, retornos para consulta com os médicos e, parcimoniosamente, Raquel foi compreendendo a necessidade da presença de Deus na vida dela estimulada pela sua nova colega. Começou a frequentar a igreja da sua amiga e participar de cursos bíblicos. Ajudar os mais necessitados virou sua missão de vida e, como apresentava uma oratória que contagiava as outras pessoas, logo foi iniciado o processo para prepará-la para ser pastora. Sempre testemunhava sobre a sua vida. Tudo o que passou até estar ali, em cima do púlpito, em uma cadeira de rodas servindo a Deus era, minuciosamente, relatado para todos que estivessem preparados para ouvir.
Alex estabeleceu uma meta para a próxima campanha eleitoral, juntar dinheiro suficiente para a compra de votos e propaganda para conseguir aumentar suas chances para vereador. Aumentou seu trabalho junto com as comunidades mais carentes procurando ajudá-las e guiá-las nas suas demandas e denúncias para melhorias das suas condições de vida. Havia muitas pessoas que o apoiavam. Seus aliados aceitavam a necessidade da compra de voto de outras pessoas para conseguir o objetivo que seria bom para todos os cidadãos daquela cidade. A corrupção naquele momento seria com um objetivo justificado para ajudar outras pessoas. Sua consciência ardia em chamas ao pensar neste ato inescrupuloso em conseguir seu intento, mas a necessidade de ajudar os cidadãos suplantava o malefício da desonestidade, pensava.
Pedro adotou aquele cachorro nomeado puffy e passou a dedicar sua vida à proteção dos animais. O que aconteceu com o puffy era uma realidade nas estradas e ruas das cidades com seus animais abandonados. Criou uma ONG para a defesa da fauna e pagava uma mensalidade mensal para o Greenpeace. Pensou em fazer Medicina Veterinária para se entregar de corpo e alma nesta sua nova esperança. Conheceu sua atual esposa em um dos inúmeros resgastes de animais presos vivendo em precárias condições com seus donos que maltratavam, espancavam diariamente. Preferiram não ter filhos, pois criavam em casa sete cachorros e vinte e sete gatos encontrados na rua.
·          
Herlen, Raquel, Alex e Pedro são ótimas pessoas e más ao mesmo tempo. Existem pessoas que os respeitam, enquanto que outros tiveram suas vidas destruídas pelas suas ações. Comportamentos amorais entremeados em cidadãos e cidadãs que passeiam pelas ruas da cidade incólumes. São mais de 7 bilhões de seres humanos vivendo em momentos diferentes, alguns em pleno gozo de saúde, enquanto que outros estão condenados por doenças terminais. Empresários que empregam milhares de colaboradores, mas que precisam pagar propinas para não serem prejudicados pelos fiscais do município. A mãe de família que permite fornicar com o chefe do seu trabalho para não perder seu emprego, o único sustento da sua morada. Anjos e demônios travestidos de seres humanos. O próximo é um risco inopino de vida e amá-lo é uma atitude Divina no campo do sobrenatural e irracional no natural.
03.05.18