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terça-feira, 1 de maio de 2018
Conto - Nove segundos
A sensação era de um soco no braço. Não entendeu o
motivo. Um susto. Sentia o coração batendo forte, acelerado e uma breve
sensação de falta de ar o preocupou. Percebeu o barulho semelhante a um tiro e
levantou a suspeita de ser uma tentativa de matá-lo com uma arma de fogo.
Deveria pensar rápido, pois era necessário sair daquele ambiente hostil. Não
adianta saber o motivo. Tanto faz se é um assalto, vingança ou loucura, o fato
é que a ameaça era real e o pavor emergia subitamente.
Consegue identificar o seu algoz, um homem de meia-idade,
pardo vestido com camisa e calça de cor escura sem mais detalhes. Neste
momento, é difícil reconhecer pormenores. Não quis fitar seu inimigo, pois
poderia perder tempo em escapar com vida. Toda a sua atenção estava em evitar
ser alvejado novamente. A pupila se dilata e há uma busca por outros sujeitos
que poderiam estar no ambiente para executá-lo. Os disparos poderiam vir de
outros lugares, era uma possibilidade preocupante. Como não identificava o
motivo, imaginar cenários mais tenebrosos pode ser útil para diminuir as
surpresas.
O homem, sem falar nada, aponta para o seu peito e
aciona o gatilho continuamente. Torce para que os disparos não o atinjam a
contento. Em meio a várias explosões, não consegue precisar quantos novos
disparos o estão atingindo. Sente o metal quente alojado em seu abdome e coxa,
mas, ainda, não sente dores. A sobrecarga de adrenalina na corrente sanguínea
prepara o corpo a um estado de fuga que inibe, parcialmente, a dor e aumenta a
circulação sanguínea em torno dos músculos dos membros inferiores que ficam
prontos para correr para longe do risco. Seu rosto está pálido devido a
diminuição do fluxo sanguíneo na sua pele para se concentrar em órgão mais necessário
para esta emergência. Os batimentos cardíacos elevados, a frequência
respiratória disparada ajuda a oxigenar o sangue que banhará os músculos dos
membros inferiores e o cérebro para elaborar uma estratégia de sobrevivência
mais eficaz.
Tem a sensação que morrerá se não agir
imediatamente. Não considera que um socorro externo possa chegar a tempo de
evitar o pior. A decisão precisa ser tomada. Procurar se proteger dos projéteis
é uma ação imediata e inicial. Alguns segundos demoram mais tempo para passar
que outros, em certas ocasiões, as frações de segundos pareciam de horas.
Lembra que possui um revólver escondido no seu carro
que está atrás dele. A defesa e o ataque devem andar juntos em momentos de extremo
risco. Não há tempo de confabular estratégias mais sofisticadas ou ensaiar
modelos de contrarresposta baseado em estudos multicêntricos das forças armadas
ou de esquadrões de polícia para ataques sofridos. O sistema 1, descrito por
Daniel Kahneman no Livro “Rápido e Devagar”, é exigido sobremaneira nestes
momentos. É a ação imediata do ser humano frente a qualquer estímulo. Neste
caso, a sobrevivência após uma agressão com potencial letal máximo. Vale tudo
para continuar vivo. Se extingue os pudores, a moral e a ética, pois não haverá
estas virtudes no além vida. É um dever existencial manter-se vivo, para poder
continuar a sua história como casar, ter filhos, enfim, passar seu código
genético para frente como em processo de defesa da manutenção da própria
espécie. É um ato inerente de qualquer ser vivo, a busca pelo prolongamento da
sua presença no plano da realidade que se vive consciente ou inconscientemente.
Os últimos tiros que o atingiram, geraram um impacto
que o direcionou para dentro do carro que estava com a porta aberta. Ao cair em
cima dos bancos, fez uma rápida avaliação na sua condição física e sentiu que
estava apto para agir prontamente. A chama da esperança que urge nestes momentos,
brilhava para ele. O medo é quando alguém fica incapaz de poder reagir, quando
as forças se esvaem. Por ter sido atingido pela arma, esperava-se que ficasse
cambaleante, inutilizado para se mover, mas não foram afetados órgãos vitais
ou, pelo menos, ainda, não tinha tempo suficiente para haver um colapso de
algum órgão nobre ou de um grande vaso que ocasionasse uma hemorragia mortal.
Como em um movimento ensaiado, estica o braço para o
local onde deixa sua pistola com capacidade de 18 disparos que estava com o
pente completo debaixo do painel do seu carro. Bimestralmente, mantinha o
hábito de ir para um clube de tiro para descarregar sua arma e adquirir nova
munição. Há 2 anos fez um curso para tiro categoria iniciante. Uma namorada,
que era sócia do clube, o levou para conhecer este esporte e o estimulou a
participar destas aulas iniciais para possuir um certificado que o permitia
frequentar o clube de tiro e treinar. Compareceu ao curso de tiro de defesa
para se precaver em situações de ameaça de vida. O professor repetiu inúmeras
vezes, para nunca ser esquecido, fuja do perigo, é a melhor forma de se
defender. Ser herói é conveniente nas revistas em quadrinhos ou nos cinemas.
Esta orientação o seguia costumeiramente, principalmente, em tempos de
insegurança nas ruas onde civis estão morrendo em meio a uma sanguinária narcoguerra
de facções ou em assaltos para subtrair um relógio que será trocado por uma
pedra de crack. Nas conversas com colegas, há uma crescente e perturbadora
desesperança quando se ouve a notícia de mais uma vítima assassinada. Algumas
vezes, há o relato da tentativa de reação da vítima sendo a justificativa para
o seu assassinato, pois o bandido se sentindo ameaçado, mata para se proteger.
Os comunistas, socialistas, ainda entremeados na sociedade, defendem a tese de
que a polícia é má e que o bandido é vítima da sociedade e que comete estas
atrocidades por que não tem outra forma de conseguir o seu sustento. Há um
processo de demonização da polícia e romantização dos bandidos, assassinos,
ladrões. Alguns integrantes dos Direitos Humanos explicam que a polícia,
somente, deveria reagir se o bandido atirar primeiro ou, em outras palavras, após
ser alvejado, a polícia ou o cidadão comum podem reagir. A insegurança aumentou
muito e existem relatos gravíssimos de ações dos marginais ceifando a vida dos
cidadãos. Até adolescentes estão matando, aleatoriamente, transeuntes para
poder fazer parte de alguma facção como um teste de coragem.
Encaixa a mão no cabo da sua arma e consegue puxá-la
sem dificuldades para a frente do seu corpo. Ainda está deitado sem conseguir
visualizar adequadamente o carrasco. Levanta a cabeça subitamente para poder
melhor visualizá-lo. Permanece a mesma distância com as pernas entreabertas,
joelhos semiflexionados com arma em punho apontando para a sua direção.
Considera outras ações como fechar a porta do carro ou ligar o carro para
fugir, mas não haverá tempo para isto. Desengatilha sua arma e começa a atirar
também. Logo ao primeiro disparo, nota que o seu algoz para de atirar e se
afasta para evitar ser atingido também. Neste momento, quem era a vítima passa
a ter condições de se proteger e aumentar suas possibilidades para se manter
vivo. Levanta-se subitamente e consegue alcançar seu oponente tentando fugir
com a arma virada para trás tentando atingi-lo. Continuam trocando tiros. Neste
penúltimo segundo, sobrevém uma tontura e sua visão começa a escurecer.
Provavelmente, um dos disparos atingiu algum órgão ou vaso que está sangrando
consideravelmente.
Tem que se proteger, pois o seu inimigo pode notar e
voltar para completar o serviço. Deve procurar proteção derradeira e garantir
que inutilizou o meliante ou o assustou suficiente para provocar sua fuga. Há
um certo alívio pois, conseguiu evitar sua execução sumariamente. Ainda é cedo
para comemorar. Precisa manter a atenção. Foram 9 segundos do início da ação
até o momento da escapada do seu agressor. Várias considerações povoam este
momento para responder o motivo de estar vivo como sorte ou Graça Divina. Vem à
sua mente a imagem da sua família, esposa. Deseja estar na presença deles. A
tontura aumenta, mas acredita que resistirá.
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