sábado, 10 de setembro de 2011

Poema-conto de Vladimir Maiakóvski

Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.

Vladimir Maiakóvski

Entenda o Custo Brasil

A diferença dos custos de produção entre o Brasil e outros países, o chamado Custo Brasil, torna os produtos nacionais menos competitivos nos mercados externo e interno e é causado por diversos fatores como a infraestrutura precária, os impostos, as altas taxas de juros e o câmbio apreciado. Diminuir esta diferença é fundamental para aumentar a competitividade e incentivar a atividade industrial no país.
O programa Brasilianas.org da última segunda-feira (29) abordou este tema com a presença dos convidados Mário Bernardini, diretor da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), Odilon Guedes, professor da FAAP e membro do Conselho Regional de Economia de São Paulo, e Fábio Gallo, professor da FGV e especialista em finanças corporativas, na TV Brasil.
Bernardini explicou que, vinte anos atrás, a Abimaq fez um estudo comparando os custos de produção entre as subsidiárias estrangeiras e suas matrizes. “Naquela ocasião, chamei este diferencial de fator Brasil. Não disse “custo” porque era um fator que podia ser positivo ou negativo”. Segundo Bernardini, à época do estudo o fator Brasil era de menos de 20%, e hoje, no setor de bens de capital, atinge 43%. “Ao invés de melhorar a competitividade do país ao longo dessas duas décadas, ela piorou sensivelmente”.
Taxa de juros
 Todos os convidados foram unânimes em apontar a alta taxa de juros como um dos principais fatores do Custo Brasil. “A taxa de juros tem um reflexo no conjunto da economia, porque ela é referência de lucro”, afirmou Odilon Guedes. Além disso, o professor pontuou a questão do custo de oportunidade, quando o investidor prefere investir no mercado financeiro ao invés da produção. “Por que investir na produção se eu posso ganhar dinheiro no banco?”
Fábio Gallo lembrou que a taxa de juros no Brasil é a mais alta do mundo, e Bernardini apontou que os juros custaram ao país uma média de 6% do PIB ao ano, na última década. Em muitos países, os juros giram em torno de 2,5%. “Na maioria dos paises do mundo, que tem uma dívida maior sobre o PIB do que o Brasil, paga-se menos da metade do que o Brasil paga com uma dívida que é a metade [do valor da dívida dos outros países].”
Este alto gasto com os juros da dívida acabam desviando recursos que poderiam ser investidos em áreas fundamentais para reduzir o próprio Custo Brasil. Segundo Odilon Guedes, “de 2000 a 2007, dados do IPEA, o Brasil pagou de juros R$ 1,157 trilhão, e investiu R$ 98 bilhões”.
Política Tributária
A carga tributária também é tratada como um dos fatores que encarecem a produção no Brasil e diminuem a competividade dos nossos produtos. Os convidados apontaram que o problema não são apenas os altos impostos, mas sim a forma como são cobrados. “Nos EUA e OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Economico), a maior carga tributária é sobre a renda, sobre a propriedade, sobre a herança e sobre riqueza. No Brasil é o contrário: a maior parte da carga tributária é indireta”, afirmou o professor da FAAP. Com isso, há uma distorção, na qual quem ganha até dois salários mínimos paga 53% de tributos, e quem ganha mais de 30 salários mínimos, 29% vão para os impostos, segundo dados do IPEA.
“A Reforma Tributária não vai para frente porque ela implica numa redistribuição da arrecadação”, disse Bernardini, mostrando que o modelo de arrecadação, e não a carga tributária, é que está errado: “não temos bitributação, temos tritributação ou quadritributação, porque imposto é cobrado sobre imposto”. Fábio Gallo também afirmou a necessidade da Reforma: “temos que desonerar toda a estrutura de cobrança de tributos, fazer uma reforma tributária realmente importante.”
Infraestrutura, câmbio e cartelização da economia
A rede deficitária de hidrovias e ferrovias, além das estradas mal-conservadas, são outro ponto que encarece a produção no Brasil. Odilon Guedes citou um levantamento que fez na área de transportes e descobriu que seriam necessários R$ 275 bilhões em investimentos para complementar e recuperar as malhas já existentes (ferrovias, hidrovias e rodovias, incluindo também aeroportos) “Daria um ano e meio de juros [da dívida brasileira]”, afirmou o professor.
Fábio Gallo ressaltou que os problemas de logística e infraestrutura são mais acentuados em um país com dimensões continentais como o Brasil: “[Os problemas de infraestrutura] aumentam o custo de toda a cadeia produtiva”.
Quanto ao câmbio valorizado, Bernardini explicou: “Hoje, o câmbio está sobrevalorizado, no mínimo, em 40%. Então, o meu produto custa 40% a mais pelo custo brasil e 40% a mais pelo dólar. Se eu multiplicar 1,4 por 1,4, meu produto custa duas vezes o produto lá fora.” Com este custo a mais, os produtos não conseguem ser exportados e perdem espaço no mercado interno. “A indústria de transformação está perdendo mercado e está deixando de fabricar e produzir para substituir por produto importado”, o que provoca a desindustrialização.
Finalmente, a cartelização é outro fator que encarece a produção no país. Segundo Bernardini, 20% do Custo Brasil vem de matérias-primas, como o aço. “Os monopólios ou oligopólios se valem de sua força e da proteção que o mercado interno tem e  colocam preços que são 30% mais altos, 40% mais altos que no mercado internacional”, prejudicando toda a cadeia produtiva. Odilon Guedes também lembrou das taxas da energia elétrica e da telefonia, segundo ele, a primeira e a segunda mais caras do mundo, respectivamente.
Para diminuir o impacto do Custo Brasil nos produtos, uma das soluções apontadas é a defesa do mercado interno: “A Inglaterra fez isso, os Estados Unidos, a Coréia. É uma política macroeconômica de defesa de interesses estratégicos no país”, afirmou Odilon.


Como o Estadão publica falsas reportagens - quem ganha com isso?

Comentários do post “Wikileaks divulga carta sobre corrupção no governo Lula”, matéria do Estadão
Nassif, usando a velha terminologia tipográfica, o texto da embaixada tem 8057 toques. O Estadão garimpou até achar o que lhe interessava. Ignorou quase todo o resto e fez o resumo do conteúdo com base nessa frase, de 77 toques:
Persistent and widespread corruption affects all three branches of government. Ao pé da letra: Corrupção persistente e generalizada afeta (ou atinge) todos os três poderes do governo.
Na sua “tradução”, o Estadão arranjou um jeitinho de colocar a expressão “governo Lula” na boca da diplomacia americana, para que o resultado ficasse assim:
A diplomacia americana considera que a corrupção durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva era “generalizada e persistente” e atingia todos os Três Poderes.
Na manchete, adiciona-se um pouco mais de veneno: há uma sutil substituição de “corrupção durante o governo” por “corrupção no governo Lula” e uma troca do neutro “considera” para uma ilação negativa de “mostra preocupação”. O resultado fica assim:
Carta de embaixador dos EUA mostra preocupação com corrupção no governo Lula
Curiosamente, na própria carta diplomática, o nome de Lula só aparece uma única vez, e dentro da seguinte frase:
While continuing to pursue stability among Brazil’s ten South American neighbors, President  Luiz Inacio Lula da Silva and Foreign Minister Celso Amorim have  spent seven years aggressively reaching out to Africa, the Middle  East, and Asia, as well as taking a prominent role in global trade,  climate change, nuclear non-proliferation, and economic  discussions.
Em tradução livre: “Ao mesmo tempo em que continuam a incentivar a estabilidade entre os dez vizinhos sul americanos do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Celso Amorim passaram os últimos sete anos atuando de forma agressiva em direção a África, Oriente Médio e Ásia, bem como tendo um papel de destaque no comércio mundial, nas alterações climáticas, na não-proliferação nuclear, e nas discussões econômicas.”
Por motivos mais que óbvios, tal frase foi solenemente ignorada pelo jornal.
Essa matéria do Estadão merece ser emoldurada e pendurada ao lado do telegrama original na galeria dos “Anais do PIG”. É uma verdadeira aula de como funcionam os jornalões tupiniquins.
Do blog do Paulo Henrique Amorim (conversaafiada.com)
10.09.11


A Revolta de Londres: um sinal


A recente revolta em bairros periféricos de Londres, que se estendeu rapidamente para outras cidades inglesas, foi apresentada pela grande imprensa como uma série de atos de vandalismo, sem outro conteúdo. Nada mais longe da verdade. O brutal assassinato de Mark Duggan, um taxista negro de 29 anos alvejado pela polícia londrina em Tottenham – uma zona que conta com as maiores taxas de desemprego e de imigrantes da capital britânica – produziu uma reação da juventude que, por sua magnitude e composição, foi rapidamente comparável com o levantamento dos jovens árabes e norte-africanos nos subúrbios parisienses em 2005, ou à sublevação da juventude grega em fins de 2008. Esta vez, no entanto, a bancarrota capitalista mundial vinculou a revolta com a crise dos Estados chamados ao resgate do capital. O movimento também teve lugar no quadro da revolução nos países árabes e da irrupção da juventude européia dos "indignados", na Espanha especialmente. O assassinato de Duggan produziu uma manifestação de cerca de 300 vizinhos que, com o decorrer das horas e frente às manobras de encobrimento da polícia, converteu-se em uma revolta popular. O governo britânico respondeu com uma brutal repressão, junto a uma operação midiática que buscava instalar a versão de um "enfrentamento" da polícia com Duggan, acusado de ser "traficante de armas".
Tottenham tem uma longa história de resistência contra a opressão policial por sua composição majoritariamente imigrante, incluído um levantamento popular em 1985 só comparável ao que ocorreu recentemente. No bairro vivem africanos, caribenhos, polacos, judeus ortodoxos, turcos e ingleses brancos, que sofrem dia a dia a extorsão da polícia. A zona é também representativa da crise que atravessa o país. Mais de 10 mil jovens de Tottenham vivem graças à assistência social e se estima que uns 54 jovens concorrem por cada posto de trabalho. Outro dado alarmante é a alta taxa de gravidez adolescente - a mais alta do Reino Unido. Este quadro social de decomposição é a base sobre a qual opera a rebelião dos subúrbios britânicos. A repressão policial nas ruas de Londres deixou o saldo de cinco mortos, dezenas de feridos e centenas de detidos. No entanto, os protestos aumentaram, em novos bairros, como Oxford Circus e Enfield, e inclusive outras cidades, como Leeds, Birmingham, Liverpool, Manchester e Bristol, o que obrigou ao governo a proceder a uma mobilização inusitada de forças - uns 16 mil policiais. Estes fatos revelam que a pauperização das condições de vida das massas é um fenômeno que se estende ao conjunto do país.
A crise não poderia chegar em pior momento para o regime político britânico que, sacudido pela crise política gerada pela revelação das escutas telefônicas de personagens ou figuras públicas por parte do império midiático de Rupert Murdoch, com a cumplicidade da polícia britânica, Scotland Yard (cujos chefes tiveram que renunciar por sua relação com o escândalo) e dos políticos britânicos. O premiê britânico, o conservador David Cameron, foi obrigado a regressar de suas férias – destinadas a afastá-lo da crise política - ante a extensão da rebelião juvenil contra a força policial. A crise e a rebelião social desatada pela repressão policial voltou a colocar a Cameron no olho da tormenta. Este assumiu com o objetivo de aplicar um rigoroso plano de ajuste frente à crise mundial, e agora luta por manter a seu governo. A rebelião dos jovens explorados da Grã-Bretanha tem lugar enquanto os sindicatos discutem um plano de luta contra o corte às aposentadorias, depois de protagonizar a maior paralisação de funcionários públicos em 80 anos, e no meio de uma grande mobilização estudantil contra o plano de cortes à educação proposto pelos conservadores. A conjunção da crise política com a crise capitalista e com um processo de mobilização de massas excepcional reúne os elementos de uma tormenta que poderia significar o fim do governo conservador na Grã-Bretanha em um quadro de aguçamento da crise mundial.
Na Espanha, um pacote de austeridade reduziu em 5% os salários públicos em 2010, e fez um corte de 600 milhões de euros nos investimentos públicos. Essas medidas foram exigências do FMI, para “enfrentar a crise” nesses países. O pacote de austeridade foi enfrentado com uma massiva paralisação nacional dos trabalhadores, convocada pelas centrais sindicais. Os trabalhadores de outros países europeus também reagiram com grandes manifestações, uma resistência bem superior à de 2008. A classe operária começou a manifestar-se: greves de massas, mobilizações massivas, ocupações de fábricas, tomada de reféns de patrões por trabalhadores, revoltas de jovens e operários. As greves gerais na Grécia e Turquia, as greves e as manifestações na França e Espanha, as numerosas ocupações de fábricas na Itália, são uma mostra da crescente combatividade do proletariado contra o desemprego massivo, a flexibilização trabalhista, as reduções salariais, a destruição dos sistemas sociais.
Nos últimos anos, houve uma recomposição da classe operária mundial, com a incorporação de milhões de novos trabalhadores, que protagonizam novos combates de classe, na Grécia, França, Itália, Alemanha, passando pela América Latina, sem esquecer a recuperação da classe operária russa e na Europa do Leste, os trabalhadores sul-africanos, e a classe operária chinesa, que começa a levantar cabeça com greves extraordinárias. Antes da explosão árabe, a Europa estava no centro da luta classista. Em novembro de 2010, 150 mil pessoas protagonizaram uma grande mobilização em Dublin para rejeitar o resgate da Irlanda por parte da União Européia (UE) e do FMI – um ataque aos salários, ao gasto social e ao emprego. Poucos dias antes, havia ocorrido uma grande greve geral em Portugal, grandes mobilizações estudantis na própria Irlanda, Inglaterra e Itália, e nas semanas anteriores manifestações em toda a França. A crise capitalista se estende a Portugal, Espanha e Itália, e inclusive à França, ao ponto de se colocar na pauta dos governos um desdobramento da Europa em um bloco do norte e outro do sul – com diferentes moedas (Grécia, Portugal, Espanha e Itália sairiam da “zona euro”). A rebelião árabe, que “cruzou o estreito de Gibraltar” para chegar às praças da Espanha, encontrou no velho continente um terreno propício.

A revolta londrina, certamente desorganizada, não foi um tiro no escuro de uma juventude desesperada, mas um sinal anunciador do terremoto social nas próprias metrópoles do capitalismo.

Por Osvaldo Coggiola é historiador, economista e professor da Universidade de São Paulo
Em 10.09.11