quarta-feira, 31 de julho de 2024

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO SUS: DAS GRANDES METRÓPOLES AOS POVOS TRADICIONAIS BRASILEIROS (SBPC AFRO E INDÍGENA)

Como representante da Federação Médica Brasileira-FMB e vice-presidente de um Sindicato Médico, tenho a necessidade de compreender as diversas ramificações do Sistema Único de Saúde-SUS, incluindo a necessidade de infraestrutura adequada e adaptada para populações específicas nas diferentes regiões do Brasil Continental.

O SUS é o principal local de trabalho do Médico Brasileiro e, desta forma, é necessário que este profissional esteja preparado para as demandas e desafios deste sistema. O primeiro obstáculo encontrado é a dificuldade de gerir unidades de saúde pelos gestores municipais devido a diversos fatores como inexperiência e falta de conteúdo técnico inerente à pasta da saúde. Como consequência, é comum a carência de materiais básicos como computador, prontuário eletrônico que interligue os diversos setores da unidade de saúde e da secretaria de saúde, assim como um dimensionamento equivocado do número de profissionais para as unidades de saúde. Outros pontos que dificultam o devido acompanhamento da saúde da população é a dificuldade de realizar exames de diferentes tipos assim como conseguir a medicação básica para o acompanhamento das principais doenças entremeadas na nossa população. O tripé problemático do SUS que será o norteador desta reflexão: gerenciamento-profissionais-infraestrutura.

Nas cidades é mais fácil de observar a dificuldade do acesso à saúde pela população. Mesmo existindo diversas unidades de saúde espalhadas pelos diferentes bairros da cidade, disponibilidade de transporte público e ruas pavimentadas, a população enfrenta falta de vagas para consultas com os profissionais, dificuldade de marcar retorno para as consultas, demora para a realização de exames, falta de estoque programado de medicamentos básicos para os programas e ausência de uma equipe multidisciplinar que garanta autonomia para a população cadastrada em um posto. Este é o retrato constante das unidades de saúde dos diversos municípios do país. O que acontece quando fatores geográficos, culturais, históricos, políticos são colocados neste debate? Precisamos nos aprofundar nestes assuntos para podermos compreender e elaborar estratégias para as populações indígena e negra.

Para atendimento adequado da população negra é importante assimilar algumas realidades. A escolaridade da mãe é o primeiro fator de relevância na mortalidade infantil e o segundo é a raça; 29% da população negra no Brasil nunca foi ao dentista ou não consulta um profissional há mais de três anos; o “exame da orelhinha” ou Triagem Auditiva Neonatal–importante para detectar possíveis problemas de audição nos recém-nascidos, cerca de 24,2% das crianças negras não fizeram o exame em contraponto aos 12% de crianças brancas.

A Hipertensão Arterial Sistêmica-HAS e o Diabete Mellitus-DM representam duas doenças que são grandes causas de morbimortalidade no Brasil, afetando em especial a população negra. A HAS tem relação genética em 30 a 40% dos casos, sendo causa de 12 a 14% de mortes. É mais prevalente em homens e negros.

A DM é mais prevalente em negros, sendo a quarta causa de morte geral e a principal de cegueira. A frequência é de 9% a mais em homens negros e 50% maior em mulheres negras do que brancas.

Um aspecto determinante do acesso à saúde pela população negra é a territorialidade. A dinâmica das cidades favorece a centralização da população branca, enquanto a negra se organiza mais na periferia. A distância geográfica do acesso ao serviço é exacerbada quando se considera que a rotatividade dos profissionais é maior nestas localidades.

A população indígena apresenta uma maior necessidade logística para o acesso da saúde: censo de 2022 demonstra um aumento de 84% desta população (1.652.876 indígenas); grande diversidade, abrangendo 305 grupos étnicos e 274 idiomas; em 2020, 766.519 pessoas indígenas cadastradas nos 51 Distritos Sanitários Especiais Indígenas-DSEI, média de 15 mil pessoas por DSEI; seus hábitos alimentares, dificuldade do acesso à comida levam à insegurança alimentar; questões relacionadas à saúde mental e o uso crescente de medicamentos psicotrópicos, elevado consumo de álcool; taxa de suicídio, 21,8 por 100 mil habitantes em 2014, ser quatro vezes maior que a população brasileira, em geral; a mortalidade infantil é maior que dos outros grupos populacionais.

Como uma amostra da complexidade do atendimento da população indígena é importante entender que o uso de álcool entre os povos indígenas tem diversos efeitos, tanto positivos–como práticas tradicionais ancestrais em contextos rituais, mediação política de conflitos grupais, festividades, atividades laborais–quanto negativos–como processos de desagregação social e familiar e desarticulação das comunidades.

Como a Federação Médica Brasileira-FMB e seus sindicatos médicos de base podem ajudar no enfrentamento destes desafios? 

Adaptar uma equipe multidisciplinar para atender uma população exige várias competências. Não é suficiente apenas construir paredes, arrumar cadeiras em volta de uma mesa de atendimento e disponibilizar uma maca para exame físico. É necessário ouvir e capacitar os profissionais para compreender as diferenças de costumes, comportamentos, crenças e saber conviver e dialogar com as diferenças que afloram no convívio humano. De todas as habilidades importantes para o sucesso do acesso à saúde adequado da nossa população a mais importante é capacidade do gestor de um município, do estado ou mesmo de um secretário de saúde de saber gerenciar uma pasta tão complexa como da saúde de forma racional e responsável, valorizando as necessidades inerentes da população e o respeito ao trabalho dos profissionais da saúde.

A FMB e seus sindicatos de base têm a preocupação constante de ouvir a categoria Médica e pautar os gestores públicos na mediação de problemas que afligem o trabalho Médico e o atendimento de qualidade da nossa população. Na medida que a complexidade do atendimento da saúde aumenta com o crescente interesse para o atendimento dos povos tradicionais, a FMB se mobiliza para acompanhar de perto dos profissionais Médicos nesta jornada contribuindo para o incremento de políticas públicas da saúde e beneficiando o devido acesso à saúde da multifacetada e gigante população brasileira.

obs: Resumo da minha apresentação que faz parte dos Anais da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC em Belém-PA.

terça-feira, 30 de julho de 2024

O SACA-ROLHAS E A GARRAFA DE VINHO

Em uma casa viviam vários seres animados e inanimados. Dentre os objetos que não deveriam expressar sentimentos, existiam alguns que não sabiam pensar, conjecturar e ousar e o faziam mesmo assim. Os diversos instrumentos da casa eram utilizados em diferentes momentos pelos seres animados ou vivos, poderíamos assim dizer, a depender do período em que se encontravam de um ano ou de um singelo dia. Dentre estes se destacavam o saca-rolhas, as garrafas de vinho e um filtro de água.

Indubitavelmente, o saca-rolhas gostava do seu trabalho: após pedir permissão atropeladamente, subitamente, já estava transfixando a rolha e expulsando-a de uma garrafa que escravizava o vinho. O saca-rolhas sentia-se como um libertador, um herói, ainda que não soubesse a definição deste ato.

Certa vez, em um dia mais ensolarado, ao libertar mais um vinho das garras da escravidão de uma rolha opressora, o saca-rolhas procurou conversar com o vinho que se apresentava à sua frente trazendo alegria, ora tristeza para os seres animados que insistiam em ingerir ou escravizá-los em seus corpos.

Saca-rolhas: Olá, depois de tanto tempo libertando seres como você, gostaria, por obséquio, de conhecê-los melhor.

Vinho tinto: Não me importo em descrever-me para ti. Sou um vinho tinto derivado das uvas desta região. Tenho um sabor apurado, mas existem aqueles que rejeitam o meu toque. Posso causar euforia e iniciar grandes paixões, assim como posso ser o prelúdio de uma tragédia. Tenho o poder da sedução e da beleza oculta nas diversas notas que emergem do meu ser.

O saca-rolhas ficou embevecido com tamanhas palavras cheias de vigor e certezas. Seus olhos brilhavam ao se abrir um mundo de possibilidades e encantos com aquelas sentenças que demostravam uma dureza amenizada por um charme adocicado.

Saca-rolhas: Fale mais sobre ti, tens família?

Vinho tinto: Família? Tenho, mas não tenho. Tenho alguns irmãos como o vinho branco, espumante e um bastardo vinho verde. Temos a mesma essência, mas por vários motivos precisamos nos diferenciar para conquistar diferentes paladares. Nasci primeiro e servi de exemplo para os outros. Sou vendido como um presente dos deuses, trago a alegria imediata e a descontração absoluta. Estimulo orgias, brigas e desconstruções. Apesar de todo o peso das consequências dos meus atos, existem milhões que ainda me defendem. Se braço tivesse, arrancaria as penas de uma galinha e ela ainda viria comer o milho nas minhas mãos. Se arma pudesse carregar, mataria aqueles que pensam contra mim. Seria o defensor da liberdade de todos e prenderia quem fosse contra. Ajudo a destruir os conceitos que orientam o mundo a nossa volta. A família, a nação, propriedade privada, a fé em um Deus são conceitos que atrapalham a minha marcha para uma transformação da sociedade. Somente consigo enganar os fracos de espírito, jovens que ainda não tiveram a oportunidade de viver uma vida de desafios e conquistas por mérito. Consigo ludibriar as pessoas de que o mais importante é o agora e que, portanto, não vale a pena construir. Construir é cansativo, mais gostoso é destruir. A adrenalina das pessoas fica à flor da pele quando sorvem o meu néctar. Inquestionavelmente, sou viciante. Como vício, tem as consequências, mas não precisamos falar sobre isto porque o que importa é o agora. Começo a ser apresentado nas escolas e tenho meu apogeu nas faculdades. Cada vez mais que as famílias não conseguem estar ao lado dos seus filhos, mas entro nas realidades dos jovens o que me ajuda a perpetuar a minha existência.

O saca-rolhas continuava perplexo com tanta agitação e beleza. Por ficar a maior parte do tempo dentro de uma gaveta, não conseguia imaginar tantas cores e convulsões possíveis em um discurso tão magnânimo. Era um momento deveras alegre.

Neste momento, a garrafa foi levada para o outro compartimento da casa. O saca-rolhas não veria mais o seu furtivo amigo para continuar a sua conversa. Gostou desta nova possibilidade de poder dialogar e ouvir as experiências e a magia entremeada nas incontáveis frases ditas ao vento. Cada vez mais, se empolgava para retirar as rolhas que prendiam estes seres tão maravilhosos para aprender mais.

Até que um dia, o saca-rolhas percebeu que há semanas não saía da gaveta. Algumas vezes, observava que algum outro utensílio era retirado próximo a ele. Nunca mais teve o prazer de perfurar uma rolha e tagarelar com aqueles líquidos tão maravilhosos. De repente, ele foi retirado e jogado em uma pia que ficava no meio da cozinha da casa. Em sua volta, algumas colheres e facas que não sabiam o que tinha acontecido. Este cenário ficou estável por dias até que o saca-rolhas sentindo-se entediado, busca iniciar um bate papo com as coisas que estavam quietas e imóveis. Ninguém responde.

Após uma semana, começa crescer uma sensação ruim a tal ponto que começaram a escorrer umas gotas que pareciam água da ponta do seu cabo. Ao ouvir o choro do saca-rolhas, o filtro de água que não conseguia mais ficar calado pergunta:

Filtro de água: O que aconteceu?

O saca-rolhas ouviu a indagação, mas ainda estava triste demais para responder, então o filtro de água retrucou:

Filtro de água: Percebi que você está chorando. Entendo que se você não quiser conversar, posso deixar você em paz. De qualquer modo, estarei aqui se você desejar contar um pouco o que está acontecendo.

Passaram dias, semanas e, finalmente, o saca-rolhas não aguentando, arremessou uma palavra quase inaudível:

Saca-rolhas: ...Oi!

O filtro de água, percebendo a timidez do saca-rolhas, responde em um tom ameno.

Filtro de água: Olá! Como tu estás? Ficou calada tanto tempo, imaginei que tu estavas mergulhada nos teus pensamentos e, por isto, não quis incomodar.

Saca-rolhas: Você fala palavras tão bonitas também.

Filtro de água: Eu? Obrigado! E quem falava palavras bonitas também?

Saca-rolhas: O vinho, principalmente, o tinto.

Filtro de água: Ah, o vinho...

Neste momento, o saca-rolhas percebe uma mudança da voz do filtro de água e pergunta:

Filtro de água: Você também conhece o vinho?

Filtro de água: Bem, nunca entrou vinho dentro de mim, apenas água, mas conheço longas histórias do vinho.

O saca-rolhas neste momento, literalmente, pula de alegria caindo próximo ao filtro.

Saca-rolhas: Conte-me das estórias do vinho. Gostava muito de ouvir. Se pudesse, teria vivido todas as aventuras e glórias que ele me descrevia: revoluções, pessoas felizes, igualdade o quer que isto seja.

Filtro de água: Como te disse, somente água entrou em mim. Do vinho, bem...do vinho conheço como começa cada história com alegria, sensação de renovação, muita paixão, mas o fim sempre é trágico.

Saca-rolhas: O que é trágico?

Filtro de água: Trágico é quando acontece algo ruim.

Saca-rolhas: É ficar triste depois de estar feliz?

Filtro de água: Isso mesmo.

Saca-rolhas: Fiquei muito triste depois que deixei de tirar rolhas e salvar o vinho que ficava preso na garrafa. Sempre o vinho conversava comigo, contando maravilhas que aconteciam quando bebiam dele.

Filtro de água: Pois é, difícil de falar sobre isto para você.

Saca-rolhas: Por quê?

Filtro de água: Como você tem boas lembranças dele, não imagina quanta dor ele pode trazer. Você teria que estar preparado para escutar o lado trágico do vinho e tirar suas decisões depois. Não quero estragar os teus sonhos.

Saca-rolhas: Conte-me tudo, não sabia que poderiam existir este lado trágico do vinho.

Filtro de água: No começo, o vinho é bom, agradável. Ao passar do tempo, ele exige mais tempo e consome a pessoa. O indivíduo não consegue trabalhar, precisa viver de favor das outras pessoas consumindo seu tempo. O vinho ensina que as pessoas que têm dinheiro e posses são más e que deveriam doar tudo para os que não trabalham. O vinho estimula o roubo para que as pessoas possam ter como comprar mais vinho. O vinho destrói a pessoa e toda a comunidade onde ele entra.

Saca-rolhas: Que triste!

Filtro de água: Existe alguém que ajuda a combater a maldade do vinho, principalmente o tinto, que é a água. Esta mesma que ficava em mim e que ajudava a saciar a sede das pessoas sem exigir ou causar dor nelas. As pessoas que ingerem do vinho, sempre tem que recorrer à água para curar das feridas causadas pelo consumo. Infelizmente, a maioria das pessoas voltam a consumir o vinho de tempos em tempos esquecendo todo o mal que este pensamento causou na humanidade ao longo da história. Aliás, foi por causa do vinho que o dono desta casa perdeu tudo, restando somente nós nesta casa abandonada sem perspectivas do futuro.

O saca-rolhas ficava olhando o filtro falar, mas com um olhar vago sem entender o que o filtro estava querendo dizer. Quando percebia que o filtro estava um pouco mais sério, pensava que seria melhor não ter tirado as rolhas da garrafa para livrar aquele ser tão trágico, mas bastava passar alguns dias e o saca-rolhas já ficava imaginando aparecer uma nova garrafa de vinho para que ele tirasse a rolha e continuasse o seu devaneio.

25.06.24

 

Transpoema - A menina (trans)formada

Mari transpira transformação.

Qualquer transeunte que transpasse o seu caminho transubstancializa-se

Permite-se transmitir a transvanguarda e questionar a transculturação.

 

A transparência da sua transitoriedade

Transverbera o trans ordinário

Transfigura os conceitos e preconceitos de verdade

Se engaja com o transumano incendiário.

 

Transfixa a parede transportada da mediocridade

Transtroca a mente perversa que transcura[AB1]  em um mar transitável de esperança

É um verbo intransitivo de uma transa sem maldade.

 

Não é sobre o prefixo “trans”, é mais para um transe suave

É a respeito e muito respeito de quem transcreve sobre a transcendência

Sobre Mari que voa no transcurso da humanidade como uma ave

É a paz de uma transfusão de amor para uma enrijecida essência.

 

24.06.24

Obs: enviado dia 30.06 para a Antologia da Sobrames-CE.


segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O Pior e o Melhor de Mim

     É muito difícil conviver com as pessoas que são diferentes de nós. Deveras complicado. Não somente estranho em relação aos pensamentos, ideias ou costumes, mas também, em relação ao nosso corpo. Parece que as pessoas que são mais altas, são mais bonitas, ou que têm olhos azuis e verdes são mais elegantes. Em algumas culturas, ser negro é mais bonito, em outras, ser branco ou amarelo. Complicado é quando uma pessoa apresenta alguma deficiência propriamente dita: quem usa cadeira de rodas, deficiência visual ou mesmo auditiva. Tenho a sensação de que é difícil encaixar em nosso mundo, as pessoas que têm estas diferentes nuances. Pior para mim que tenho algo a mais que ninguém tem. Alguns podem definir como maldição e outros, como uma bênção.

Talvez, estes questionamentos sejam o próprio problema: fico achando que as outras pessoas irão definir o que é o mais bonito ou o feio e eu serei avaliado desta forma. Provavelmente, estes mesmos cidadãos nem estejam me notando, estão seguindo as suas vidas com os seus desafios e somente isto. Elas devem ter os mesmos sentimentos angustiantes e banais que estou me referindo e cada um dará o devido grau de importância a estas questões.

Início

As minhas primeiras lembranças são vagas em relação a minha força elevada que causava diversos acidentes. Era muito comum alguém dizer que eu era forte, mas, de alguma forma, consegui, inconscientemente, não causar grandes danos, machucar ou mesmo matar uma pessoa. Como meus pais chamavam muito a minha atenção para que eu tivesse cuidado e não quebrasse as coisas, fui aprendendo a me controlar. Só para constar: não sou alienígena e nem fui exposto a alguma substância química ou radioativa que transformou o meu corpo a ponto de ter a força equivalente a cem homens. Nasci desta forma e esta é a minha história.

Muitas vezes, evitava brincar com as outras crianças, justamente para evitar acidentes, que diga-se de passagem, eram muito comuns. Já amassei a lataria de inúmeros carros quando jogava bola perto destes veículos. Sempre tinha que correr, porque sabia que eu era o culpado. Era considerado muito desastrado. Até hoje, este excesso do medo de quebrar as coisas, me incomoda, me limita nas minhas ações. Os pais dos meus amigos, na maioria das vezes, advertiam seus filhos para evitarem brincar comigo, porque eu era estabanado e poderia machucá-los. Eles não escondiam os seus descontentamentos na minha presença: eles desejavam que eu ouvisse, provavelmente, para que eu me afastasse dos seus rebentos e não causasse danos.

Meus pais, também, tinham este cuidado com as minhas irmãs e os objetos da casa. As minhas brincadeiras não eram adequadas para quaisquer pessoas, mesmos adultos, imagine para crianças mais novas do que eu, no caso, das minhas irmãs. Elas dormiam em um quarto separado do meu para evitar acidentes devido às brincadeiras ou brigas comuns entre irmãos. Certa vez, empurrei a minha irmã, que estava na borda da piscina, visando apenas dar um susto nela, mas não saiu como o planejado. A intenção era que ela caísse perto da borda da piscina, próximo da escada e, desta forma, ela poderia voltar para a beira da piscina de novo. Em vez disso, a força empregada foi tamanha que ela caiu na parte profunda da piscina. Ela não gritava, pois já estava se afogando. Quem gritou por ajuda fui eu que percebi logo a bobagem que fizera. Eu sabia nadar, mas fiquei paralisado sem saber o que fazer. Ainda tenho este receio de entrar em água, se for para ajudar alguém que está se afogando. Talvez tenha sido deste evento que ocorreu com a minha irmã no Clube Náutico que fica na Avenida Beira-Mar de Fortaleza, local que a gente frequentava quando a nossa tia conseguia uma cortesia para levar seus sobrinhos para passear aos finais de semana.

 Em outra oportunidade, a brincadeira, se podemos definir desta forma, era jogar sandálias um no outro e o objetivo era se esquivar como acontecia nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, quando a Mônica arremessava o seu coelhinho de pelúcia e o Cebolinha tentava desviar, ou nos desenhos animados que passavam nos programas de TV quando eram comuns jogar objetos uns nos outros, como nas brigas de gatos e ratos, Pica Pau contra o Leão Marinho. Quando a minha irmã atirou a sandália na vez dela, consegui desviar com certa facilidade, talvez ela tenha conseguido me acertar em algumas outras oportunidades. Você já pode imaginar o que aconteceu quando foi a minha vez. Ainda bem que o primeiro arremesso errei, mas iria bater na cabeça dela. A sandália quebrou-se contra a parede devido a intensidade da energia aplicada. Por causa da ingenuidade, continuamos brincando e quando joguei pela segunda vez, a sandália do outro pé, acertou na perna dela. Imediatamente, ela soltou um grito pavoroso de dor. Esta outra sandália começou a ser destruída já na perna da minha irmã e terminou seu desmonte ao colidir contra a parede. Por sorte, o projétil passou lateralizando da perna esquerda dela, abaixo do joelho. Não sei como, mas ela não quebrou nenhum osso. Em vez disso, arrancou parte da pele da perna e teve que ser levada ao pronto-socorro. Precisou ficar usando curativo por um bom tempo e tomar antibióticos que ela detestava e, na maioria das vezes, vomitava por não gostar do sabor.

Cada vez mais, meus pais ficavam preocupados, porque à medida que a minha força aumentava, os acidentes ficavam mais graves. Estava jogando bola em um calçamento no bairro Beira Rio, local que havíamos mudado recentemente, depois que os meus pais terem vivido seus primeiros anos de casados no bairro São João do Tauape próximo ao Lagamar. Em um determinado momento do jogo, chutei o chão, em vez da bola, até porque, futebol nunca foi o meu forte, despedaçando uma pedra de calçamento um pouco mais saliente, arremessando com uma enorme força e velocidade um pedaço de pedra que se tivesse pegado em alguém, com certeza, teria transfixado. O fragmento de pedra atingiu uma caixa transformadora em um poste ocasionando um grande barulho e foi este motivo que muitos não conseguiram associar o acidente ao meu chute. Desta vez, comecei a ficar mais preocupado e já entendia que seria mais sensato me afastar das pessoas para evitar maiores transtornos.

Adultez

Seria esperado que eu me tornasse um super-herói ou mesmo que tivesse utilizado este dom, ou poder em benefício próprio. Em vez disso, escondi por este tempo. Não consigo compreender ter algo que é diferente totalmente da humanidade lá fora. Sem lógica para mim. Como irei explicar? Com quem poderei debater sobre o meu dia a dia? Ninguém pode entender. Irei me transformar em um deus para a maioria deles e isto não desejo. Não me sinto à vontade de ser superior somente devido a um dom.

Sei que muitas pessoas são idolatradas devido algumas características, mas o meu caso é diferente. Algumas pessoas são aclamadas, porque são cantoras, mas, na maioria das vezes, se não emplacarem sucessos seguidos, caem no esquecimento. Outros, são grandemente ovacionados, porque são grandes jogadores de algum esporte, mas em breves anos se aposentam sendo esquecidos gradativamente. Por outro lado, eu sempre serei poderoso.

Prefiro a paz da minha consciência. Não quero parecer soberbo, acima de ninguém. Acredito que este excesso de força foi indevidamente colocado sob a minha responsabilidade ou, quiçá, fui deliberadamente sorteado para guardar este precioso dom. Talvez Deus ou qualquer outra força superior, soubessem qual seria o meu comportamento e quisessem esconder este poder da mão de qualquer outra pessoa na Terra.

Sempre estou avaliando os meus comportamentos ou pensamentos. Posso estar equivocado em tudo o que penso. Porventura, posso decidir usar esta minha força para salvar alguém, e pronto, ou fazer shows demonstrando feitos nunca realizados pelo homem, como a capacidade de levantar um caminhão acima da cabeça, usando apenas a força de um ser humano. Não sei o que pode acontecer daqui para frente que mude os meus ideais. Acredito que a humildade possa ser uma característica minha que pode estar inibindo de usufruir deste talento. A minha prudência pode estar se questionando se este excesso de força é algo positivo ou negativo para a minha vida. É melhor evitar ter filhos que possam herdar esta mutação, pois não desejo que ninguém sofra. Não sei precisar como será a minha atitude no futuro como já mencionara, mas a decisão de saber se agi corretamente ou não, dependerá de quando for avaliado ou por quem.

Algumas perguntas ficam sem respostas mesmo. Até agora, o ser humano concluiu ser importante formular perguntar e tentar responder. Pois é, tentar responder e, algumas vezes, a resposta que serviu perfeitamente, inicialmente, encontra-se equivocada nas diversas esquinas do tempo. No meio do relativismo, ainda podemos nos questionar se sabemos perguntar. Este é um dos questionamentos mais intrigantes da raça humana vigente. Talvez se a gente conseguir ultrapassar algumas destas respostas, poderemos nos sobrelevar como espécie animal, supra sapiens, com o desenvolvimento de características sobre-humanas, impensáveis até este momento. Presentemente, o meu dom poderia, talvez, ser útil e, por enquanto, fico apenas como um rei deposto que tem um olho em uma terra de cegos.

 

24.01.2024

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A importância da FMB e seus sindicatos de base para a Medicina Brasileira

Existem algumas informações que os médicos deveriam saber para o seu dia a dia. Nesta participação no site da Associação dos Médicos pelo Brasil-AMPB terei em vista trazer alguns dados e opiniões para a classe Médica e estudantes de Medicina que possam ser úteis na sua caminhada ao longo da sua vida. Sempre estarei atento para tirar dúvidas, abordar temas que estejam mais quentes no momento e esclarecer mitos e verdades que nos rodeiam e, algumas vezes, nos amedrontam. O intuito será sempre de ser uma leitura leve e útil. 

Nesta primeira oportunidade, gostaria de abordar um assunto muito importante que é quando, porque e como acionar um sindicato Médico nos seus respectivos estados. 

Quando? O principal motivo é quando um Médico ou Médica tem quaisquer dos seus direitos trabalhistas comprometidos: atrasos dos seus salários e das contrapartidas dos municípios para os integrantes do Programa Médicos pelo Brasil, desrespeito ao cumprimento dos horários de alimentação e repouso obrigatório, qualquer exemplo de assédio, incluindo, para os profissionais atenderemum número de pacientes por hora incompatível com o trabalho digno da Medicina, qualquer tipo de violência sofrida dentro e nos arredores da sua unidade de saúde, etc. Vale destacar que alguns sindicatos, como o Sindicato dos Médicos do Ceará, disponibiliza um amplo corpo jurídico que defende com maestria estas violações dos direitos trabalhistas assim como extrapola o seu campo de atuação oferecendo até o direito do consumidor para situações mais corriqueiras da vida do profissional Médico fora da esfera trabalhista, isto é, o colega Médico tiver a sua mala desviada de uma viagem, se a Médica se sentir prejudicada porque a companhia aérea mudou o valor da passagem ou mesmo se comprar algum produto que não correspondeu aos anseios do Médico ou da Médica e desejarem devolver ou trocar a loja não aceitar. 

Por quê? Os sindicatos têm toda uma perícia para tratar das questões da categoria Médica, tanto por possuírem profissionais qualificados nas questões Médicas como pela diretoria toda formada, exclusivamente, de Médicos que entendem os anseios e dificuldades da Medicina regional e nacional, se esforçando, diuturnamente, para trazer respostas satisfatórias para a categoria. Além disso, é muito mais barato: se a Médica paga uma mensalidade mensal ou a anuidade do sindicato mantendo-se adimplente, ela irá poder acessar qualquer serviço da entidade sem ter que pagar um adicional, p.ex., se esta profissional trabalhar em três lugares diferentes e se for necessário acionar a justiça por quaisquer motivos para cada uma destes lugares como atraso salarial, ela precisará pagar um advogado para cada vez que este for acionado, neste caso, ela precisaria pagar como entrada do processo em torno de R$ 3mil até R$10mil para cada ação. No sindicato, como ela paga somente uma anuidade ou uma mensalidade pequena, ela pode demandar o jurídico sem ter custos a mais para cada processo. Indiscutivelmente, é sempre mais barato, eficiente e personalizado. Sem esquecer que a maioria das entidades possui um clube de vantagens com descontos em planos de saúde, escola, restaurante e lojas bem interessantes. É só colocar no papel: se for considerar toda a economia que o Médico tem ao utilizar o sindicato, tirando o valor da mensalidade ou anuidade, ele sai ganhando muito mais. Simples assim. 

Como? Existem diversas formas de acionar o seu sindicato do seu estado. Pode ser por telefone, site da entidade, emailTelegram e até mesmo o Instagram ou Facebook (no futuro aparecerão diversas outras formas), e o meu preferido, atualmente, o WhatsApp porque a rapidez e simplicidade do envio desburocratiza a troca de informações. 

E para finalizar: a Federação Médica BrasileiraFMB representa todos os seus sindicatos de base federalmente. A maioria das pautas do Programa Médicos pelo Brasil precisam ser questionados e resolvidos ao nível do Ministério da Saúde (MS) e Agência Brasileira de Apoio à gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS). Para conseguir apoio a estas pautas da Medicina Brasileira é necessário conversar e se aproximar dos deputados, senadores, frente parlamentar da medicina (FPMED), ministros e até com o presidente ou vice-presidente da república. São competências diferentes, mas com o mesmo intuito: a proteção da Dignidade Médica em todas as suas esferas.

 

Edmar Fernandes

Diretor financeiro e de patrimônio do Sindicato dos Médicos do Ceará 

Secretário de comunicação da Federação Médica Brasileira — FMB

E-mail — edmardermato@gmail.com