Sobre a idade avançada de
alguns, por atroz ingratidão, negam suas sutis rugas e os cabelos brancos
usando subterfúgios comerciais como tinturas mais escuras para os frâneros que
protegem o couro cabeludo ou o veneno dourado do botulismo, agora, reescrita
como toxina botulínica – beleza líquida – que remodelam as fácies de um ancião
ou anciã ou mesmo de mais jovens obscurecidos pela dádiva da beleza infinita.
Por becos escuros e soturnos da vergonha, vai dissimulando a idade, negando,
até, o conhecimento da sua data de nascimento, sempre uma incógnita talvez por
medo de se encontrar como refere Kleber Novartes, “A velhice dá certo medo. O
medo de eu olhar pra trás, e descobrir quem eu realmente fui a vida inteira”.
Parece que o Barão de
Itararé descrevera Nivia há muitos anos atrás, “as mulheres de certa idade
nunca são de idade certa”. Por diversos relacionamentos, nada se sabia sobre a
sua verdadeira idade, um tabu. Tinha costume de ver fotos de amigos, conhecidos
e familiares quando eram mais novos para poder comparar com a imagem atual,
tentando assim, criar uma perspectiva abstrata do que poderia estar acontecendo
consigo, já que, não conseguia parar de negar que, também, estava envelhecendo.
Vários namoros foram desmanchados por esta busca incensante de adivinhar a sua
idade. O constrangimento causado já virara piada entre os conhecedores da
crença limitante de Nivia. Amigos lhe sobraram quando aprenderam a evitar este
molvediço assunto. Por mais que tentassem subvalorizar a sua idade, mais ela
supervalorizava criando um tabu de proporções gigantescas. Júlio Dantas
explicava que “a velhice é um simples
preconceito aritmético, e todos nós seríamos mais jovens se não tivéssemos o
péssimo hábito de contar os anos que vivemos”, mas a fragmentação do tempo em
anos, dias, horas para ajudar na organização de tarefas no mundo virou um
tormento de escala avassaladora para na autoestima da Nivia.
Velhice – por muito tempo,
Nivia ouvira falar diversos enfoques a respeito deste assunto, “a idade é algo
que não tem importância, a não ser que você seja um queijo” segundo Edmund
Burke. Mais uma vez a comparação de uma vida rica de ensinamentos,
aperfeiçoamentos como afirmava Marco Túlio Cícero, “os homens são como vinhos:
a idade azeda os maus e apura os bons” com massas amorfas como um queijo é
necessário para poder chocar os mais incautos sobre a beleza do viver. A cada
fração de tempo vivida, há um acúmulo de informações captadas pelos nossos
diversos sentidos que irão se fundir e determinar as mais diversas ações. Uma
canção que fora lançada em épocas juvenis da nossa protagonista, quando ouvida
em dias recentes, desperta uma sensação de melancolia, saudades de uma época
que, aparentemente, era mais feliz. Esta capacidade de esquecer a maioria das
angústias vividas outrora como quando repetira de ano na quinta série,
tentativas frustadas de passar no vestibular são trocadas pelos requícios das
passageiras alegrias dos encontros com seus amigos, viagens com a família.
Alguns amigos elaboravam meios de tentar ajudar a Nivia de encontrar paz neste
mundo indicando psicólogos, longas conversas em cafés, viagens para buscar um
equilíbrio em seu ser, mas, cada vez mais, o tempo em sua tez era marcante. Certa
vez, mostraram para ela um copo de vidro transparante com um suco,
aparentemente, de laranja e perguntaram-na como ela o descrevia, após alguns
segundos, ela referiu que não gostava dessas brincadeiras de criança quando um
dos interrogadores desejando incentivá-la, perguntou: -“ Nivia, tu achas que
este copo está meio cheio ou meio vazio$, longa espera. Seus olhos foram se
avermelhando e uma súbita comoção preencheu o recinto quando suas lágrimas
afogaram todas as esperanças dos participantes daquela reunião de amigos. Nivia
já não suportava mais as indagações sobre sua idade ou tentativas de fazê-la
socializar. Ela se afastou de vez dos últimos contatos. Raramente, era vista
nas calçadas ou trabalho. Fora demitida sem ao menos saber do ocorrido. Alguns
pensamentos começavam a se repetir automaticamente como as batidas do seu coração
cada vez mais débil. Após seis meses da indagação sobre o copo, lembrou que
poderia ter respondido pela metade – de certa forma, seria uma forma sábia de sair
daquela situação constrangedora, mas ela não acreditava nesta saída. Na
verdade, deste o primeiro momento, ela gostaria de extravasar a sua
consternação em seguir parâmetros definidos da sociedade que a cercava: que
roupa irá usar na festa de formatura$ o que vai almoçar$ quantos filhos quer
ter$ e a mais cruel – qual a sua idade$! Bastaria responder a uma simples
questão.
De repente, em meio às
diversas explicações psicológicas, sociológicas e até metafísicas, Nivia sente
o peso de uma vida amargurada em fuga de uma aterrorizante verdade equitativa
para todos os seres: o tempo não para. Ela estava lembrando das diversas
histórias que ouvira do seu irmão sobre deuses mitológicos e não poderia deixar
de reviver os momentos de sofrimento quando rememorava o trabalho ininterrupto
de Sísifo carregando aquela pedra de mármore enorme montanha acima. Seu irmão
contava que todos tinham sua pedra de mármore para carregar, a decisão era diminuir
a pedra ou fazê-la desaparecer: livre arbítrio. Nivia, por fim, decide se
livrar desta fatídica lide de se envergonhar da sua idade. Reveste-se de uma
coragem inatingível e ensaia os primeiros passos de como lhe dar com a sua
fobia. Começa a ligar para os diversos conhecidos, amigos que ainda lhe restam
e mesmo os que há anos não tinha mais contato e familiares que chegaram a
questionar a sua cognição e juízo. Ela tinha que ferir de morte o seu maior
pesadelo. Ela tinha que vê-lo sangrar até que a última fagulha de existência se
esvaia daquele corpo amorfo pútrido que a acompanhava em um mundo de dor,
solidão e vergonha.
Todos reunidos em uma grande
sala, ouvem pasmados, uma mulher se esvair em lágrimas e descrever todo o seu
infortúnio por viver uma vida tão infeliz e angustiante. Em um brado de pavor e
fúria, solicita com seus plenos pulmões que a indaguem qual é a sua idade e
todos ainda sem entender, começam a perguntá-la em uma consonância de liberdade
e vitória. Ao longo de silenciosos minutos em que pode se ouvir uma platéia
ofegante e esperançosa e soluços esparsos da protagonista, esta balbucia sons
entremeados que começam a ficar repetidos e mais claros a medida que vai
inclinando a sua cabeça para cima e já rouca de tando gritar, percebe-se o que
diz: eu tenho 30 anos!!!
Finalizado em 22.03.17
Faz parte da antologia sobrames
À flor da pele - 2017
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