Passo mais tempo no meu trabalho
do que em minha casa, então, o meu lar é o meu trabalho! Estranho notar que
após trabalhar,ininterruptamente, por anos a fio, percebo-me mais ligado afetivamente
ao meu trabalho do que minha casa. Preciso diferenciar bem estes termos já que
a conversa gira em torno disto.
Importante diferenciar o trabalho
e o emprego. O trabalho existe desde os primórdios quando o homem começou a
mudar o meio ambiente em benefício próprio. Algumas vezes, o termo trabalho é
utilizado para designar o local em que o indivíduo exerce o seu emprego como o
supermercado é o local de trabalho do funcionário que trabalha como caixa da
empresa. O emprego, via de regra, é o tempo gasto pelo trabalhador em troca de
uma remuneração. Desta forma ele vende parte do tempo da sua vida, seu esforço físico ou cognitivo em troca de outros
valores estipulados como dinheiro, bens duráveis como uma casa ou mesmo um trabalho
de outra pessoa, que possa estar necessitando, como um médico ou uma faxineira.
O termo emprego foi sendo elaborado, juntamente, com o desenvolvimento da
revolução industrial que tomou conta de países europeus, inicialmente, Inglaterra, a partir, aproximadamente, de
1760. O dinheiro entrou no meio destas relações para facilitar este processo.
Sobre casa, não me refiro somente
a construção que lembra quatro paredes com uma porta e uma janelhinha ao lado
com vários cômodos entremeados em seu espaço interno. Meu interesse é citar a
definição de lar, local onde posso morar sozinho, dividindo despesas com amigos
ou com uma família, onde tenho um guardaroupa com minhas vestimentas ou a cama
que costuma repousar.
Bem, voltando ao início, ouso me questionar
o que é meu lar ou meu trabalho. Sinto esta necessidade de definir isto, pois
pode me trazer profunda calma ou atroz angústia as concepções diferentes que
podem preencher estes dois temas. Desde pequeno, ora ouço falar que o trabalho
dignifica o homem, ou que o trabalho é uma benção de Deus para as nossas vidas
como é citado no livro de Lucas capítulo 10 versículo 7 “...pois o trabalhador
merece o seu salário”, ou mesmo citações de grandes pensadores como Voltaire,
“o trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”;
ora ouço inúmeros males provocados pelo rítmo frenético que reveste o ato de
labutar: Burnout, esgotamento físico,
estresse são consequências citadas frequentemente. Assédio do patrão ou colegas
de trabalho, desconto do salário devido atrasos no ponto ou férias não
concedidas somam-se a inúmeras relações negativas que são citadas
rotineiramente pelos bilhões de empregados que existem no mundo. Em gênesis
3-19 “com o suor do teu rosto você comerá o seu pão”, isto é, o que era uma
alegria, após o pecado, tranformou-se em fadiga. Criou-se portanto uma relação
conflituosa entre orgulho e sofrimento no ambiente de trabalho dos terráqueos.
Por inúmeras vezes, detenho-me
com indagações indeléveis como: quando o trabalho passou a ser necessário$
Imagino várias formas de homens primatas, não necessariamente macacos, homens
sem vestígios de saberes tecnológicos que possam ser evidenciados nas suas
vestimentas, acomodações, ferramentas, enfim, sendo acometidos por necessidades
várias, por exemplo, talvez um alimento desejado que ele não possua ou tenha
dificuldade em obtê-lo e desenvolve uma atividade que possa satisfazer o
possuidor de tal iguaria a se sentir tentado a fazer uma troca justa entre
ambos. Formas primárias de comércio entre os homens em que era estipulado o
escambo, isto é, troca de mercadorias entre as pessoas. Se eu fosse um
pescador, passava horas, dias no mar ou rios em busca de peixes que pudessem
ser interessantes para alguém que possuísse algo de interesse para mim para
permutar; uma troca simples. Pronto,
nascia o escambo. De certa forma, havia um prazer intrínseco nesta ação já que
o ganho final era evidente, imediato e, muitas vezes, poderia custar a sua
sobrevivência. Talvez, alguns homens conseguissem carnes através da pesca ou caça,
mas outros, por motivos como doença, sequelas de traumas ou mesmo medo de
enfrentar outros animais, preferissem ir atrás de frutas, verduras espalhadas
nas florestas e matas para poder fazer um banquete onde todos dividiriam o alimento
ou haveria uma troca baseado no esforço que cada uma havia despreendido para
conseguir o dito alimento.
O trabalho enobrece ou é um
fardo$ É intrigante imaginar em qual momento começou-se a relacionar o trabalho
com sofrimento. Talvez, este conceito perpetrou-se através das civilizações que
adotaram a escravidão, servidão, principalmente, após as guerras quando os
derrotados teriam que trabalhar de graça para o seu “dono”. Difícil imaginar em
qual grupo de homens de qualquer continente nestes 10 000 anos aproximados da
presença humana na terra tenha desenvolvido o trabalho como uma ação inerente e
consequente a sua vida de tal forma que não há prazer nem sensação de
exploração: um simples ato de viver em harmonia consigo e criando relações com
a sociedade presente já que os seus atos são entendidos como parte de um
processo de que pertence ao seu meio.
Imaginando essas linhas do tempo,
diversos modelos de figuras humanas entremeadas por suas paisagens típicas,
suas vestimentas peculiares em seus afazeres mundanos e necessários me sobrevem
a notícia incolúme da preguiça, a adinamia patológica, o contrafluxo do
progresso. Nunca ouvi debate semelhante desta pretensa fagulha que gerou
diversos estorvos no processo de gerar bens, riquezas, desenvolvimento ao longo
da história: por algum motivo ou questinamento, a preguiça, considerada um
pecado capital, enche de furor diversos seguimentos populacionais e o embate
contra o natural processo do trabalho nasce. De repente, o processo milenar,
alguns diriam, biológico, de transformar em líder o mais capaz, como o lobo
mais sagaz que guia a sua matilha, ou a fêmea ou macho que busca o melhor da
sua raça para poder procriar e, assim, gerar descendentes mais capazes para
sobreviver as intepéries do meio que os cercam se transforma em discurso de
ódio e a humanidade envenenada por desconhecer a história, abraça a causa da
preguiça. Subitamente, aquela pessoa que se esforça dia a noite para
aperfeiçoar seu conhecimento para interagir mais eficientemente para a sociedade
e que, naturalmente, deveria ser reconhecida por seus méritos escassos no nosso
meio, como um dom desenvolvido, perde-se em meio ao numerosos preguiçosos que
desenvolvem um hino que é repetido á exaustão que fala de direitos e deveres
para todos e nas entrelinhas adverte da necessidade de que todos, incluindo os
esforçados trabalhadores e estudantes e, por outro lado, os preguiçosos, piores
alunos, tem o direito de receber suas remunerações igualmente. Assim como,
todos os que produzem, estudam ou criam soluções para o aperfeiçoamento da
sociedade como um todo, dito trabalhadores, tem o dever de dividir seus
pertences, seus bens, seu tempo para aqueles que não querem labutar, ou que
passam a maior parte do seu tempo incitando ódio dentro de empresas, grupos de
trabalho ou em coopertativas sem fim.
Em uma era em que a pregriça, não
o animal, tomou lugar do trabalho, provas incontestáveis vem a tona para explicar tal anormalidade: a
criminiladade vem a tona já que é mais fácil roubar do que trabalhar. É
gritante a defesa destes meliantes por grupos de pessoas que esquecem do lastro
de sangue e dor que eles deixam.
Conseguem transformar a percepção da realidade ao se fazer notar a
brutalidade da polícia em contraponto do romantismo do bandido. Incia-se um
processo de descaracterização do termo bandido, pois traz traumas profundos
traumas ao fora da lei que insiste em seguir suas próprias regras causando
destruição por onde passa. O bandido, através de filtros interpostos dos
preguiçosos transvestidos de direitos humanos, transforma-se em mártir da
sociedade dos oprimidos.
Há uma linha de pensamento que
concorda que devemos receber ou colher o que plantamos; quem trabalha na
agricultura sabe disso. Há outros exemplos: quem se alimenta evitando excessos
de açucares e gorduras e faz exercíos regularmente tende a ter um corpo mais
sadio evitando a obesidade, uma epidêmica patologia limitante da saúde pública.
Há fábulas que cantam diversos exemplos semelhantes de prêmios que seguem o
esforços como a moral da história da cigarra e a formiga referida como obra de Esopo da grécia antiga e encontrada escrita
por Jean de La Fontaine nos idos do século XVII. Ora vejam, que todos torcem
pela formiga e concordam com o esforço desta em contrapartida daquela cigarra
que se divertia ao bel prazer dos sabores que o mundo oferece, mas, no fim,
enfim, encontra-se desesperada pois não foi sábia para preparar para o futuro
ou para uma infortúnia privação.
Aqui eu volto para as minhas
viscerais elocubrações a despeito do meu emprego. Quantas vezes fui homenageado
por estudar muito para poder passar no vestibular e criticado pelo mesmo ato.
Cedia em momentos de cansaço físico e mental e procurava descansar em noites
regadas a álcool e ressacas que duravam dias. As palmas viam das formigas e das
cigarras, o mesmo som, não era possível diferenciar. Depois que passou o
inverno é que entendo o olhar penetrante das formigas, como a minha mãe, que
enxergava quatro décadas após, sabia da necessidade de plantar boas sementes,
regar regularmente, para poder ter uma boa safra. Consigo meu emprego e me
envolvo completamente. Faço inúmeros cursos de aperfeiçoamento, congressos com
um dedicação sentimental e gosto quando sou recompensado por isto. Receber o
meu salário no final do mês compensa todo o tempo que trabalhei, na verdade, é
uma consequência. Não consigo passar muito tempo sem trabalhar, talvez por isso
que me atormenta ver tantos colegas reclamando do seu emprego e falando da
utópicas virtudes das férias intermináveis.
Conheço
uma história de uma senhora, avó de muitos netos que detinha uma característica
peculiar, não falava palavras torpes. Certa vez, seus netos quiseram pregar uma
peça na amável avó: perguntariam qual a opinião dela sobre o diabo e, desta forma,
não teria como ela não referir um nome bem feio. Quando chegou o jantar, todos
já eufóricos, aguardam o término da degustação da sobremesa de banana com cravo
que a vovozinha costumava servir e, todos reunidos em um canto da mesa quase
que deixando a senhora sem ter para aonde ir, perguntaram o que ela achava do
diabo; ela pensa, senta um pouco e, quando todos já no regojizo de conseguirem
vencer a pobre vovó, ouvem essa, “o diabo é persistente”, reflete a indomável
anciã.
A
cigarra é persistente, mas ainda prefiro fazer do meu trabalho a minha casa,
enfim.
Meritocracia: termo utilizado pela primeira vez por Michael
Young, no livro “Rise of the Meritocracy”
(“Levantar da Meritocracia”, em português), publicado em 1958.
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