segunda-feira, 23 de julho de 2018

Conto A Metitocracia e a Fábula



Passo mais tempo no meu trabalho do que em minha casa, então, o meu lar é o meu trabalho! Estranho notar que após trabalhar,ininterruptamente, por anos a fio, percebo-me mais ligado afetivamente ao meu trabalho do que minha casa. Preciso diferenciar bem estes termos já que a conversa gira em torno disto.
Importante diferenciar o trabalho e o emprego. O trabalho existe desde os primórdios quando o homem começou a mudar o meio ambiente em benefício próprio. Algumas vezes, o termo trabalho é utilizado para designar o local em que o indivíduo exerce o seu emprego como o supermercado é o local de trabalho do funcionário que trabalha como caixa da empresa. O emprego, via de regra, é o tempo gasto pelo trabalhador em troca de uma remuneração. Desta forma ele vende parte do tempo da sua vida, seu  esforço físico ou cognitivo em troca de outros valores estipulados como dinheiro, bens duráveis como uma casa ou mesmo um trabalho de outra pessoa, que possa estar necessitando, como um médico ou uma faxineira. O termo emprego foi sendo elaborado, juntamente, com o desenvolvimento da revolução industrial que tomou conta de países europeus, inicialmente,  Inglaterra, a partir, aproximadamente, de 1760. O dinheiro entrou no meio destas relações para facilitar este processo.
Sobre casa, não me refiro somente a construção que lembra quatro paredes com uma porta e uma janelhinha ao lado com vários cômodos entremeados em seu espaço interno. Meu interesse é citar a definição de lar, local onde posso morar sozinho, dividindo despesas com amigos ou com uma família, onde tenho um guardaroupa com minhas vestimentas ou a cama que costuma repousar.
Bem, voltando ao início, ouso me questionar o que é meu lar ou meu trabalho. Sinto esta necessidade de definir isto, pois pode me trazer profunda calma ou atroz angústia as concepções diferentes que podem preencher estes dois temas. Desde pequeno, ora ouço falar que o trabalho dignifica o homem, ou que o trabalho é uma benção de Deus para as nossas vidas como é citado no livro de Lucas capítulo 10 versículo 7 “...pois o trabalhador merece o seu salário”, ou mesmo citações de grandes pensadores como Voltaire, “o trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”; ora ouço inúmeros males provocados pelo rítmo frenético que reveste o ato de labutar: Burnout, esgotamento físico, estresse são consequências citadas frequentemente. Assédio do patrão ou colegas de trabalho, desconto do salário devido atrasos no ponto ou férias não concedidas somam-se a inúmeras relações negativas que são citadas rotineiramente pelos bilhões de empregados que existem no mundo. Em gênesis 3-19 “com o suor do teu rosto você comerá o seu pão”, isto é, o que era uma alegria, após o pecado, tranformou-se em fadiga. Criou-se portanto uma relação conflituosa entre orgulho e sofrimento no ambiente de trabalho dos terráqueos.
Por inúmeras vezes, detenho-me com indagações indeléveis como: quando o trabalho passou a ser necessário$ Imagino várias formas de homens primatas, não necessariamente macacos, homens sem vestígios de saberes tecnológicos que possam ser evidenciados nas suas vestimentas, acomodações, ferramentas, enfim, sendo acometidos por necessidades várias, por exemplo, talvez um alimento desejado que ele não possua ou tenha dificuldade em obtê-lo e desenvolve uma atividade que possa satisfazer o possuidor de tal iguaria a se sentir tentado a fazer uma troca justa entre ambos. Formas primárias de comércio entre os homens em que era estipulado o escambo, isto é, troca de mercadorias entre as pessoas. Se eu fosse um pescador, passava horas, dias no mar ou rios em busca de peixes que pudessem ser interessantes para alguém que possuísse algo de interesse para mim para permutar; uma troca simples.  Pronto, nascia o escambo. De certa forma, havia um prazer intrínseco nesta ação já que o ganho final era evidente, imediato e, muitas vezes, poderia custar a sua sobrevivência. Talvez, alguns homens conseguissem carnes através da pesca ou caça, mas outros, por motivos como doença, sequelas de traumas ou mesmo medo de enfrentar outros animais, preferissem ir atrás de frutas, verduras espalhadas nas florestas e matas para poder fazer um banquete onde todos dividiriam o alimento ou haveria uma troca baseado no esforço que cada uma havia despreendido para conseguir o dito alimento.
O trabalho enobrece ou é um fardo$ É intrigante imaginar em qual momento começou-se a relacionar o trabalho com sofrimento. Talvez, este conceito perpetrou-se através das civilizações que adotaram a escravidão, servidão, principalmente, após as guerras quando os derrotados teriam que trabalhar de graça para o seu “dono”. Difícil imaginar em qual grupo de homens de qualquer continente nestes 10 000 anos aproximados da presença humana na terra tenha desenvolvido o trabalho como uma ação inerente e consequente a sua vida de tal forma que não há prazer nem sensação de exploração: um simples ato de viver em harmonia consigo e criando relações com a sociedade presente já que os seus atos são entendidos como parte de um processo de que pertence ao seu meio.
Imaginando essas linhas do tempo, diversos modelos de figuras humanas entremeadas por suas paisagens típicas, suas vestimentas peculiares em seus afazeres mundanos e necessários me sobrevem a notícia incolúme da preguiça, a adinamia patológica, o contrafluxo do progresso. Nunca ouvi debate semelhante desta pretensa fagulha que gerou diversos estorvos no processo de gerar bens, riquezas, desenvolvimento ao longo da história: por algum motivo ou questinamento, a preguiça, considerada um pecado capital, enche de furor diversos seguimentos populacionais e o embate contra o natural processo do trabalho nasce. De repente, o processo milenar, alguns diriam, biológico, de transformar em líder o mais capaz, como o lobo mais sagaz que guia a sua matilha, ou a fêmea ou macho que busca o melhor da sua raça para poder procriar e, assim, gerar descendentes mais capazes para sobreviver as intepéries do meio que os cercam se transforma em discurso de ódio e a humanidade envenenada por desconhecer a história, abraça a causa da preguiça. Subitamente, aquela pessoa que se esforça dia a noite para aperfeiçoar seu conhecimento para interagir mais eficientemente para a sociedade e que, naturalmente, deveria ser reconhecida por seus méritos escassos no nosso meio, como um dom desenvolvido, perde-se em meio ao numerosos preguiçosos que desenvolvem um hino que é repetido á exaustão que fala de direitos e deveres para todos e nas entrelinhas adverte da necessidade de que todos, incluindo os esforçados trabalhadores e estudantes e, por outro lado, os preguiçosos, piores alunos, tem o direito de receber suas remunerações igualmente. Assim como, todos os que produzem, estudam ou criam soluções para o aperfeiçoamento da sociedade como um todo, dito trabalhadores, tem o dever de dividir seus pertences, seus bens, seu tempo para aqueles que não querem labutar, ou que passam a maior parte do seu tempo incitando ódio dentro de empresas, grupos de trabalho ou em coopertativas sem fim.
Em uma era em que a pregriça, não o animal, tomou lugar do trabalho, provas incontestáveis vem a tona  para explicar tal anormalidade: a criminiladade vem a tona já que é mais fácil roubar do que trabalhar. É gritante a defesa destes meliantes por grupos de pessoas que esquecem do lastro de sangue e dor que eles deixam.  Conseguem transformar a percepção da realidade ao se fazer notar a brutalidade da polícia em contraponto do romantismo do bandido. Incia-se um processo de descaracterização do termo bandido, pois traz traumas profundos traumas ao fora da lei que insiste em seguir suas próprias regras causando destruição por onde passa. O bandido, através de filtros interpostos dos preguiçosos transvestidos de direitos humanos, transforma-se em mártir da sociedade dos oprimidos.
Há uma linha de pensamento que concorda que devemos receber ou colher o que plantamos; quem trabalha na agricultura sabe disso. Há outros exemplos: quem se alimenta evitando excessos de açucares e gorduras e faz exercíos regularmente tende a ter um corpo mais sadio evitando a obesidade, uma epidêmica patologia limitante da saúde pública. Há fábulas que cantam diversos exemplos semelhantes de prêmios que seguem o esforços como a moral da história da cigarra e a formiga referida como obra de  Esopo da grécia antiga e encontrada escrita por Jean de La Fontaine nos idos do século XVII. Ora vejam, que todos torcem pela formiga e concordam com o esforço desta em contrapartida daquela cigarra que se divertia ao bel prazer dos sabores que o mundo oferece, mas, no fim, enfim, encontra-se desesperada pois não foi sábia para preparar para o futuro ou para uma infortúnia privação.
Aqui eu volto para as minhas viscerais elocubrações a despeito do meu emprego. Quantas vezes fui homenageado por estudar muito para poder passar no vestibular e criticado pelo mesmo ato. Cedia em momentos de cansaço físico e mental e procurava descansar em noites regadas a álcool e ressacas que duravam dias. As palmas viam das formigas e das cigarras, o mesmo som, não era possível diferenciar. Depois que passou o inverno é que entendo o olhar penetrante das formigas, como a minha mãe, que enxergava quatro décadas após, sabia da necessidade de plantar boas sementes, regar regularmente, para poder ter uma boa safra. Consigo meu emprego e me envolvo completamente. Faço inúmeros cursos de aperfeiçoamento, congressos com um dedicação sentimental e gosto quando sou recompensado por isto. Receber o meu salário no final do mês compensa todo o tempo que trabalhei, na verdade, é uma consequência. Não consigo passar muito tempo sem trabalhar, talvez por isso que me atormenta ver tantos colegas reclamando do seu emprego e falando da utópicas virtudes das férias intermináveis.
                Conheço uma história de uma senhora, avó de muitos netos que detinha uma característica peculiar, não falava palavras torpes. Certa vez, seus netos quiseram pregar uma peça na amável avó: perguntariam qual a opinião dela sobre o diabo e, desta forma, não teria como ela não referir um nome bem feio. Quando chegou o jantar, todos já eufóricos, aguardam o término da degustação da sobremesa de banana com cravo que a vovozinha costumava servir e, todos reunidos em um canto da mesa quase que deixando a senhora sem ter para aonde ir, perguntaram o que ela achava do diabo; ela pensa, senta um pouco e, quando todos já no regojizo de conseguirem vencer a pobre vovó, ouvem essa, “o diabo é persistente”, reflete a indomável anciã.
                A cigarra é persistente, mas ainda prefiro fazer do meu trabalho a minha casa, enfim.
Meritocracia: termo utilizado pela primeira vez por Michael Young, no livro “Rise of the Meritocracy” (“Levantar da Meritocracia”, em português), publicado em 1958.

Nenhum comentário:

Postar um comentário